O que terá um intelectual francês, de uma família de judeus da Argélia, autor de uma série de livros sobre a decadência em França e na Europa, em comum com Donald Trump?

Na última edição de Valeurs Actuelles, Alexandre Mendel, em “Ce qu’il y a de Trump chez Zemmour”, tenta encontrar paralelos entre o ex-presidente americano e o intelectual que surgiu meteoricamente no panorama político e eleitoral francês como possível candidato das direitas à eleição presidencial.

Trump e Zemour

Diz Mendel que Trump e Zemour são ambos odiados pelos media, sendo, ambos, um produto desses mesmos media: Trump tornou-se conhecido pelo reality-show The Aprentice, que tinha audiências de vinte milhões de espectadores; Zemmour popularizou-se pelos seus artigos no Figaro e os seus comentários em Face à l’info, na CNNews. Também são os dois politicamente incorrectos e até brutais na confrontação: Trump liquidou os seus rivais republicanos nas primárias, chamando a Jeb Bush “Low-energy Jeb” e a Marco Rubio “Little Marco”; Zemmour não se inibe de chamar “imbecil” a um adversário. E nenhum se desculpa ou pede desculpa.

O resultado, sempre segundo Mendel, é a adesão do povo comum, sobretudo em tempos e lugares de decadência e provação, como no Nordeste norte-americano pós-desindustrialização de 2016, ou na França de hoje, invadida pela imigração muçulmana.

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Além de se distinguirem pelo estilo directo e incorrecto, e embora partidários do mercado e da economia aberta, tanto Zemmour como Trump são proteccionistas e denunciam o mundialismo, que, segundo eles, aniquila as economias nacionais. E ambos pegam numa questão essencial: as raízes e a identidade nacional, coisas que não preocupam muito as elites intelectuais, académicas, mediáticas, políticas e económicas, com recursos para poderem deambular num mundo global.

Entretanto, do Rust Belt à Lorraine, o fenómeno é o mesmo: as indústrias debandaram e falar hoje em fronteiras tornou-se um tabu para as Nações Unidas e um pecado para o Vaticano.

A avaliar pelas sondagens, grande parte do apoio a Zemmour tem vindo a reflectir-se numa baixa do apoio a Le Pen; e pode acontecer, conforme prevêem algumas Cassandras, que, assim, nenhum dos dois candidatos do campo nacional passe à segunda volta contra Macron.

Esta comparação/contraposição Trump-Zemmour leva-nos a pensar na identidade mas também nos diferentes perfis, estilos, estratégias e até causas e princípios dos novos líderes da Direita na Europa, de Victor Orban e Giorgia Meloni a Santiago Abascal e Boris Johnson.

Nacional versus global

O que os une contra “os outros”, à “esquerda” e ao “centro”, está na nação e na identidade nacional: todos estes líderes e os seus diferentes partidos ou movimentos têm a Nação como valor político fundamental e o globalismo como inimigo; por isso, estão unidos na defesa da identidade histórico-política e na desconfiança em relação a longínquos “valores globais”, “europeus” ou “universais” que lhes queiram impor.

Daí os actuais conflitos da Polónia e da Hungria com a União Europeia, a propósito da prevalência do direito nacional sobre o direito europeu, conflitos que são políticos e não jurídicos.

Também – e embora todos sejam laicos, no sentido da separação do Estado e da Igreja – todos crêem em valores anteriores ao Estado e à decisão política. Na Europa Oriental (e, na Rússia, Putin introduziu o nome de Deus na Constituição na última revisão constitucional) os polacos e os húngaros estão na linha da frente de uma batalha conservadora contra o libertarismo e o transformismo dos costumes que consideram uma agressão à família que é, para eles, fundamento da sociedade e lugar primeiro da formação das gerações.

Esta linha conservadora de costumes não é tão clara na Europa Ocidental, onde os eleitores da AFD alemã ou do Rassemblement National francês são mais liberais em matérias de religião e orientação sexual, embora menos liberais na economia.

Há, assim, especificidades culturais nacionais. O Vox espanhol surgiu e cresceu exponencialmente perante o separatismo catalão e o que foi visto como uma debilidade do centro-direita do Partido Popular em enfrentá-lo. Depois, graças a um excelente núcleo de quadros dirigentes, assumiu uma agenda nacional-conservadora e de resistência, não só aos separatismos mas também ao esquerdismo radical internacionalista, o que lhe garantiu um forte apoio popular. Além do líder, Santiago Abascal, o Vox tem outras personalidades com cultura política e determinação estratégica, que, sem primarismos demagógicos, se têm mostrado capazes de aliar a coerência dos princípios à qualidade do discurso.

Contra a falsa universalidade

O que tem unido e continuará a unir estes dirigentes é a oposição ao mundialismo dos “novos direitos humanos” pretensamente universais e às políticas de cancelamento importadas da esquerda radical americana. O denominador comum das direitas europeias ou das forças “nacional-populares” tem sido precisamente a defesa da proximidade enraizada da identidade nacional contra o longínquo multiculturalismo, ou a defesa das raízes históricas e culturais das nações contra a vaga de desconstrução que, entre o entreguismo dos conservadores assustados e a paranóia dos racistas e xenófobos conspirativos, vêem avançar em passo acelerado.

As direitas têm como valor fundacional e essencial o factor nacional-identitário, que assenta numa História, numa língua, numa cultura, numa unidade na diversidade. É muito diferente, por exemplo, o nacionalismo português, com uma tradição de pioneirismo marítimo e comercial, pluricontinental e pluriétnico, e o nacionalismo polaco, um nacionalismo de nação interior, rodeada de grandes potências que, no passado, a quiseram oprimir e ocupar.

Daí os choques – sérios e graves – dos nacionalismos, mesmo quando há afinidades ideológicas. Na conjuntura actual, a Rússia e a Polónia têm posições muito semelhantes quanto à defesa da família; mas as razões geopolíticas e a História levam a que Varsóvia desconfie do papel de Moscovo nos seus conflitos fronteiriços com a Bielo Rússia.

Assim, as especificidades nacionais determinam comportamentos políticos que podem levar ao confronto entre Estados com alinhamentos ideológicos próximos ou comuns. Chegou a acontecer na Guerra Fria, até entre Estados do bloco comunista.

A distância certa

Quanto às estratégias e aos estilos de liderança, dependem também da cultura política de cada país e da personalidade do líder. Como todos estão num quadro de democracia pluralista e competitiva, que nenhum se propõe mudar, todos têm de conquistar eleitores e manter a sua fidelidade – o que requer dotes oratórios e tribunícios, respeitabilidade pessoal, cultura política e capacidade de distinguir valores e princípios de estratégias e tácticas.

A proximidade de uma liderança centrada no espaço e no contexto nacionais opõe-se à distância de uma liderança que, alheada de contextos, se rege por directivas globais. A primeira corre o risco de se tornar “populista” e a segunda o de se tornar elitista. Mas é a primeira, no seu melhor, a que não quer perder o povo de vista, que as direitas reivindicam ou deviam reivindicar. E no entanto, por cá, nas direitas, os líderes e os candidatos a líderes parecem mais centrados em declarações de princípios tácticos – que não vão alinhar com A, que nunca se juntarão a B ou que C está para além da linha vermelha – do que na apresentação de um programa e de valores e princípios próprios e próximos da sua gente.

Paul Krüger, Presidente da República Boer no tempo das guerras com o Império Britânico, dizia, sobre a chefia, que o chefe devia caminhar à frente do Povo, mas nunca tão à frente que o Povo o perdesse de vista.

Uma grande regra para líderes à direita, à esquerda e até ao centro. Regra que, por excesso ou por defeito, não se tem visto por cá.