Para o Partido Comunista Português, como sempre acontece com os dogmáticos, a resposta à questão colocada no título é muito simples. O 25 de Abril de 1974 é uma revolução e a luta continua. Já o levantamento popular na Ucrânia que ficou conhecido como Euromaidan foi um golpe de Estado por “forças de extrema-direita, neo-nazis e xenófobas”, e, claro, a luta também continua. Na verdade, uma qualquer definição coerente e operativa dos conceitos de revolução e golpe aponta num sentido bem diferente.
O 25 de Abril de 1974 enquadra-se em qualquer boa definição do que é um golpe de Estado militar. Tratou-se de uma operação de forças militares visando controlar uma série de localizações estratégicas com vista a derrubar pela força o regime vigente. O 25 de Abril de 1974 foi, portanto, um golpe militar vitorioso no seu objetivo de derrubar o regime ditatorial salazarista. Como muitas vezes sucede com golpes militares, é verdade que o 25 de Abril abriu caminho a um processo revolucionário com múltiplas manifestações. O chamado PREC mobilizou setores diversos que queriam ter uma palavra a dizer nas transformações profundas necessárias para contribuir para um novo regime que viesse substituir o autoritarismo do Estado Novo. Alguns desses setores eram defensores de uma democracia pluralista, e acabaram por prevalecer de forma clara e consistente, nomeadamente pela via eleitoral. Outros setores eram defensores de vários tipos de ditadura, dita do proletariado, e apostavam sobretudo na sua força nas ruas, em Lisboa e arredores, bem como numa aliança com certos setores militares.
Já o que se passou na Ucrânia, entre Novembro de 2013 e Fevereiro de 2014, foi um levantamento popular essencialmente espontâneo. A ele se juntaram, como geralmente acontece em qualquer movimento revolucionário bem-sucedido, todo o tipo de grupos, inclusive alguns extremistas, que se opunham ao poder vigente. E embora os partidos da oposição ao governo do presidente relativamente pró-Putin, Viktor Yanukovych, tenha procurado assumir algum papel de liderança e moderação, nunca controlaram verdadeiramente o movimento popular. Prova disso é o fracasso do acordo que os líderes oposicionistas assinaram com representantes europeus, a 21 de Fevereiro de 2014. O acordo era suposto pôr fim ao levantamento popular, e nele a oposição ucraniana até aceitava manter Yanukovych, transitoriamente, como presidente. Ora, esse acordo não conseguiu parar os protestos, e, no dia seguinte, Yanukovych acabou por optar por fugir para a Rússia. O que se seguiu do lado da Ucrânia foi o respeito pelas regras legais na destituição do presidente fugitivo e na realização de novas eleições. O que se seguiu do lado da Rússia de Putin foi uma primeira ação militar contra a Ucrânia, visando controlar a Crimeia e o Donbass, de caminho, violando os acordos de Budapeste, assinados em 1994, em que Moscovo tinha garantido a integridade territorial ucraniana em troca das armas nucleares que Kiev herdara da União Soviética.
É, portanto, verdade que um golpe de Estado pode dar origem a mudanças mais amplas e, até, desencadear um processo revolucionário. Porém, o ponto fundamental é que, ao contrário do que afirma o PCP, Euromaidan é bem mais claramente uma revolução do que o foi o 25 de Abril! Claro que o problema para o PCP é que, nestas guerras da memória, é vital que seja a visão inversa que prevaleça. Euromaidan foi uma revolução popular provocada pelo veto de um Putin antiamericano e antiocidental a uma tentativa da Ucrânia afirmar uma certa independência assinando um acordo de cooperação reforçada com a União Europeia. Ora, os comunistas portugueses consideram a UE uma perigosa organização capitalista. E o PCP apoia consistentemente os piores ditadores, da Coreia do Norte até à Síria, desde que eles ataquem os EUA.
Em suma, o PCP, que se vê como o partido das revoluções, não pode deixar que algo tão irrelevante como a realidade interfira com os seus dogmas. A solução é simples, os comunistas portugueses abraçam a desinformação russa que lhes resolve este problema. Este não é um problema exclusivo de Portugal ou dos comunistas portugueses. Aquilo que garante o impacto da desinformação russa na Europa Ocidental não é a sua sofisticação. É o facto de a propaganda russa confortar os dogmas ideológicos antiamericanos e antiocidentais de muita boa gente que, de bom grado, lhe dá crédito e lhe dá eco.