A recente divulgação de uma conversa telefónica entre o ex-primeiro ministro, António Costa,  e o ex-ministro das Infraestruturas, João Galamba, que se encontrava sob escuta do Ministério Público (MP), abriu portas a um debate já há muito necessário sobre o uso e abuso de escutas telefónicas em Portugal. Este e outros casos, convocam-nos a questionar e a repensar a transparência e responsabilidade que rege as autoridades judiciais, e provoca-nos reflexões sobre a linha que separa a Justiça e a Política.

Em processo penal, as escutas só podem ser realizadas se estiver reunido, um conjunto de condições bastante exigente, que decorre da natureza constitucional da inviolabilidade dos meios de comunicação privada. E a sua autorização depende da indispensabilidade das mesmas para a descoberta da verdade ou da circunstância de ser impossível ou muito difícil obter prova de outro modo.

No nosso país, a utilização de escutas telefónicas como ferramenta de investigação tem sido frequentemente questionada. O caso de João Galamba, que foi alvo de escutas durante quatro anos, é um exemplo claro de um padrão de uso excessivo e invasivo. Este meio de obtenção de prova, constitucionalmente admissível nos termos regulados pelo Código de Processo Penal (CPP) – desde que validadas por despacho judicial competente, e os crimes em investigação tenham uma moldura penal superior a três anos, no seu limite máximo – são, simultaneamente, o meio que revela o maior interesse para a descoberta da verdade, e o meio mais lesivo da privacidade. Daqui surgem sérias preocupações sobre a sua utilização indiscriminada, pelo que é necessário encontrar o delicado equilíbrio que permite conciliar a necessidade de investigar (de forma tão invasiva) e proteger a reserva de vida privada – especialmente quando o conteúdo das escutas em nada releva ao processo ou investigação em curso.

A responsabilidade pelo uso das escutas é compartilhada entre os juízes de instrução que as autorizam e o MP que as solicita. Contudo, a questão de quem divulgou essas escutas permanece um mistério, o que apenas aumenta a opacidade e a desconfiança no sistema judicial. A prática de usar escutas como uma espécie pré-inquérito, tem gerado controvérsia e é encarada como uma forma de investigar sem a devida autorização, o que é preocupante do ponto de vista dos direitos fundamentais próprios do Estado de Direito Democrático.

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A comparação feita por Rui Rio, que equiparou as ações do MP ao modus operandi da PIDE, considerada exagerada por alguns comentadores políticos, destaca uma preocupação legítima sobre a extensão dos poderes de investigação e a falta de controlo sobre os mesmos. A judicialização da política, que encontra reflexo em processos como o Caso Casa Pia, o Caso dos Submarinos, a Operação Marquês e, mais recentemente, a Operação Influencer, revela um padrão de prejudicar a oposição e perpetua um ciclo onde o poder político reluta em reformar a justiça.

O jornalismo de investigação tem sido crucial para revelar esquemas de corrupção e abusos de poder em diversas partes do mundo. Casos icónicos como Watergate nos Estados Unidos, Lava Jato no Brasil e Nóos em Espanha ilustram como o jornalismo pode ser uma ferramenta poderosa para expor a verdade e responsabilizar os envolvidos.

Facilmente poderíamos traçar um paralelismo entre os referidos casos, e a Operação Influencer, todavia, a coincidência entre da disseminação da conversa entre João Galamba e António Costa, e a nomeação deste último para a Presidência do Conselho da Europa, deixam a impressão que, o único objetivo foi alimentar um circo mediático que desvia a atenção dos reais problemas da justiça.

O corporativismo dentro do MP e a falta de transparência são problemas profundos aos quais não podemos fazer vista grossa. Das escutas às buscas na Câmara de Oeiras – onde as faturas eram públicas e já discutidas em sede de Assembleia Municipal –, revela-se o abuso de poder de um MP refém de uma agenda politizada. Pelo que, é imperativo que a fiscalização do MP se paute pela transparência de que tanto carece, mas também, por um escrutínio rigoroso do órgão responsável pela fiscalização, o Conselho Superior da Magistratura (CSM), onde se inclui a Procuradoria-Geral da República (PGR).

Termino esta reflexão com a ideia de que o caso das escutas a João Galamba (e, por consequência a António Costa) é sintomático de um sistema de justiça que precisa urgentemente de reformas, mais intensas do que as propostas pelo atual Governo. A opacidade, o uso indiscriminado de escutas e a judicialização da política são questões que enfraquecem a confiança pública no sistema judicial. O silêncio da PGR, Lucília Gago, e o fechamento do MP sobre si próprio apenas exacerbam a perceção de dirigismo político.

É imperativo alcançar o equilíbrio entre a eficácia e seriedade das investigações e a proteção dos direitos fundamentais para assegurar uma justiça que seja verdadeiramente justa e transparente. Neste contexto, considero que a possibilidade da ida da PGR ao Parlamento, configura, não uma ameaça, mas uma oportunidade de esclarecer e contribuir para a mudança que urge no sistema judicial.