Portugal é um bolo de camadas. Recheado, camada sim, camada não, por vezes misturadas, com isenções ou perdões, tem como cobertura o financiamento público e a indispensável cereja no topo. Ah, pois! A massa? É sacada aos contribuintes.

Com o veto presidencial, a Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais (Lei 19/2003) permanece em vigor sem qualquer tipo de alteração. No entanto, as suas fontes de financiamento, em especial, as subvenções públicas (artigo 5º) e os benefícios ou isenções fiscais (artigo 10º), devem ser objecto de reflexão.

O recheio do bolo português permite aos partidos políticos receberem duas subvenções públicas: uma por voto e outra para encargos de assessoria. O valor da subvenção anual por cada voto está definido no número 2 do artigo 5º. Corresponde a 1/135 do valor do Indexante dos Apoios Sociais (IAS), ao qual são retirados 10%. Por sua vez, o montante da segunda subvenção calcula-se segundo o número 4 do artigo 5º, equivalendo a quatro vezes o IAS anual, mais metade do mesmo, por deputado.

Segundo o critério estabelecido pelo número 7 do artigo 5º – a obtenção de mais de 50 mil votos – e considerando os resultados das Legislativas de 2015, divulgados pelo Ministério da Administração Interna (MAI), nove (PSD, CDS, PS, BE, PCP, PEV, PAN, PDR e PCTP/MRPP), dos 22 partidos políticos portugueses recebem subvenção por voto. Contudo, não tendo representação parlamentar, PRD e PCTP/MRPP, não usufruem da segunda subvenção. Assim, em 2018, os partidos políticos vão receber 14.276.153 euros do Estado.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Contudo, o recheio não se fica por aqui e os partidos também beneficiam das seguintes isenções fiscais: imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, imposto do selo, imposto sobre sucessões e doações, imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis, pela aquisição de imóveis destinados à sua atividade própria e pelas transmissões resultantes de fusão ou cisão, imposto municipal sobre imóveis, sobre o valor tributável dos imóveis ou de parte de imóveis de sua propriedade e destinados à sua atividade, demais impostos sobre o património previstos no n.º 3 do artigo 104.º da Constituição, imposto automóvel nos veículos que adquiram para a sua atividade, imposto sobre o valor acrescentado na aquisição e transmissão de bens e serviços que visem difundir a sua mensagem política ou identidade própria e imposto sobre o valor acrescentado nas transmissões de bens e serviços em iniciativas especiais de angariação de fundos em seu proveito exclusivo, desde que esta isenção não provoque distorções de concorrência. Por fim, após o recheio, as camadas e a cobertura, os partidos políticos não dispensam a cereja e, como tal, também estão isentos das taxas de justiça e das custas judiciais. Francamente, estou admirado por os partidos políticos conseguirem resistir à tentação de não pagar o imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos!

E se os partidos políticos não tivessem nenhuma isenção fiscal? E se o valor da subvenção pelo voto deixasse de estar dependente do valor do IAS e fosse diminuída? Portugal perde se os partidos políticos receberem menos apoio público?

A democracia tem custos e necessita de partidos políticos. Mas alguma coisa está mal quando os partidos não conseguem provir as suas necessidades sem mais dinheiro público. Ao contrário do que afirmam Carlos César, Santana Lopes e Rui Rio, os partidos políticos não são mais fortes ou melhores consoante o dinheiro que recebem. O primeiro exemplo de boa gestão deve o próprio partido. Boa gestão, contas sãs e auditorias externas devem ser obrigatórias. No limite, se gerem mal o partido também irão gerir mal o país. Mais dinheiro isenta-os das responsabilidades. E os contribuintes portugueses não podem ser um buraco sem fundo sempre disponível para resgatar os partidos da má gestão dos seus dirigentes.

Não defendo o fim do financiamento público até por considerar que este é mais equidistante do que o financiamento privado. Todavia, não basta reverter as alterações à lei do financiamento como defende o CDS no seu mais recente projecto de lei. Para além da eliminação de todas as benesses fiscais, também deve ser suprimida a subvenção para encargos de assessoria por deputado e limitada a subvenção do voto a dois euros por cada voto. Se este fosse o critério em vigor, este ano os partidos políticos apenas (?) receberiam a módica quantia de 9.989.892 euros.

Não. Mais dinheiro não é a solução. Menos dinheiro é que é! Se continuarem a receber dinheiro fácil, os dirigentes partidários não precisam gerir criteriosamente os partidos. Querem fazer a diferença? Façam-no com menos dinheiro. Já chega de glutões, comilões e outros …“ões”.

Vicente Ferreira da Silva é politólogo e professor convidado EEG/Universidade do Minho