A Proposta de Lei para o Orçamento do Estado para 2023, é uma proposta preparada num contexto de incerteza e de inflação, que não se via há anos.

O Governo procurou adotar medidas cirúrgicas que dessem alguns sinais positivos às famílias e às empresas, mas que não pusessem em causa o esforço de consolidação orçamental e de contenção da dívida pública. Procurou também angariar apoios na sociedade civil, o que fez através da celebração do Acordo de Rendimentos.

No que respeita às famílias, há que dizer que a atualização dos escalões de IRS só consegue neutralizar parte da inflação, já que a inflação acumulada de 2022 e 2023 deve ficar acima dos 5.1%. Por outro lado, não há grandes mexidas nas deduções permitidas, nem em natureza, nem em valor. Não há, nomeadamente, a reintrodução da dedução dos juros de empréstimos à habitação, mas apenas a previsão de um mecanismo de redução da retenção na fonte, que apenas garantirá mais liquidez às famílias, mas não reduzirá a conta final de IRS. E o IVA e demais impostos indiretos não desceram, onerando diariamente os orçamentos familiares.

Podia escrever que as medidas para as empresas foram, regra geral, positivas, não havendo agravamento dos impostos. Contudo, isso significaria esquecer, as contribuições extraordinárias, as derramas estaduais e as tributações autónomas (já para não mencionar a miríade de impostos indiretos e taxas que as oneram).

Na verdade, depois de alguma controvérsia, não se assistiu à redução generalizada da taxa de IRC, que se mantém nos 21%. A redução do imposto fez-se por alargamento do montante ao qual pode ser aplicada a taxa reduzida de 17% (ou 12,5% para as empresas do interior), que passa de 25 mil para 50 mil euros e do alargamento daquela taxa às Small Mid Caps. Contudo, o impacto desta redução não é de mais do que € 1.000/ano (ou € 2.000 para uma Small Mid Cap), por empresa.

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Na tributação autónoma, há novidades, boas e más. As boas: redução das taxas aplicáveis aos encargos com viaturas ligeiras de passageiros híbridas plug-in e movidas a GNV. As más: os encargos com viaturas elétricas de valor superior a € 62.500 passam a estar sujeitos à taxa de 10%.

A principal surpresa, positiva, foi a eliminação do prazo de reporte dos prejuízos fiscais, incluindo para aqueles que tenham sido gerados até 2022 e ainda dentro do prazo de reporte em 2023. Depois de um retrocesso, que tinha fixado em 5 anos esse prazo, um grande passo em frente, permitindo verdadeiramente a aplicação do princípio da solidariedade dos exercícios e alinhando a regra com muitos dos congéneres europeus. Por consequência, haverá que reavaliar o montante dos ativos por impostos diferidos registados pelas empresas. Esta medida vem acompanhada de uma redução no quantum de dedução ao lucro tributável de 70% para 65%, mas, em termos globais, é de saudar.

Ainda no que respeita aos prejuízos, uma medida de extrema relevância, não só, mas também, para os investidores, já que é eliminada a obrigatoriedade de apresentação de requerimento para assegurar a manutenção do seu reporte, em caso de alterações relevantes na estrutura societária.

Depois de anos em que os incentivos estiveram muito focados no investimento produtivo, este ano o foco esteve na criação de emprego e valorização salarial. Assim, é criado um regime de “criação líquida de postos de trabalho”, ao abrigo do qual são majorados em 20% os encargos, a título de remuneração fixa e contribuições para a Segurança Social, com contratações para os territórios do interior. Mais abrangente, é o incentivo fiscal à valorização salarial, que permite, em determinadas circunstâncias, a majoração em 50% dos encargos relativos a aumentos salariais de trabalhadores a tempo indeterminado. Considerando que o montante máximo de encargos majoráveis, por trabalhador, é de quatro vezes a RMMG, o benefício máximo, por trabalhador, andará na ordem dos 340 euros.

Por outro lado, foi criado o Regime Fiscal de Incentivo à Capitalização das Empresas (ICE), que, diz-se resultar da fusão e consequente revogação, dos benefícios da Remuneração Convencional do Capital social e da Dedução por Lucros Retidos e Reinvestidos e que se diz ser uma antecipação da transposição da Diretiva DEBRA. Esta iniciativa pretende inverter a lógica do favorecimento fiscal à divida por capitais alheios, por via da ficção dum juro nocional, de 4,5% (ou 5%, se PME e Small Mid Cap), sobre o montante dos aumentos líquidos dos capitais próprios elegíveis, durante 10 exercícios.

Relativamente aos benefícios, mais uma nota. Certamente por esquecimento, a Proposta não exclui os benefícios para efeitos do apuramento do resultado da liquidação (art. 92.º do CIRC). Ora, não o fazendo, o alcance dos mesmo será muito mais diminuto.

Por fim, com surpresa, a Proposta não contém qualquer referência ao reforço do Regime Fiscal ao Investimento ou do SIFIDE, ao contrário do que foi anunciado. Esquecimento ou não, será muito relevante que se seja claro sobre o mesmo, já que, estes sim, têm sido importantíssimos incentivos fiscais.

Em suma, muitas expetativas sobre como a realidade vai influenciar o comportamento das famílias e das empresas, e como esse vai ditar a execução deste Orçamento.