A proposta de Orçamento do Estado (OE) ontem apresentada, em matéria fiscal inclui apenas alterações pontuais e específicas, que, de acordo com o Governo, refletem as orientações para a política fiscal em 2020: (i) apoio às famílias; (ii) apoio às empresas e ao investimento; (iii) desenvolvimento de uma fiscalidade ambiental; e (iv) apoio a políticas públicas.

Em sede de IRS, não se verificam alterações das taxas progressivas, mas apenas uma atualização de 0,3% dos limites dos escalões, que não está em linha com a previsão da inflação, mas que é justificada pelo Governo em nome da prudência e das contas certas. Na prática, esta atualização deverá significar uma redução do rendimento disponível das famílias.

Depois do Programa Regressar, este ano o foco é nos mais jovens. Assim, genericamente, para os jovens trabalhadores, com idades entre os 18 e os 26 anos, que aufiram rendimentos brutos anuais de montante igual ou inferior a cerca de 29 mil euros, prevê-se uma isenção parcial dos rendimentos do trabalho auferidos, durante os três primeiros anos, após conclusão de um ciclo de emprego. A medida é aplicável apenas uma vez, o que leva a crer que o jovem terá liberdade para decidir se a aplica após conclusão do ensino secundário ou licenciatura, por exemplo. Dita como medida de apoio à natalidade, incrementa-se a dedução adicional à coleta por dependente de 126 para 300 euros, mas aparentemente apenas a partir do segundo filho e quando os ambos não ultrapassem os três anos de idade.

Prevêem-se ainda autorizações legislativas, no âmbito da fiscalidade verde, ficando o Governo autorizado a criar um regime de benefícios fiscais em sede de IRS, no sentido de consagrar uma dedução à coleta do IRS dos valores aplicados em Planos de Poupança Florestal e uma isenção de IRS para os juros deles provenientes, e também a permitir uma dedução à coleta do IRS relativa a aquisições de unidades de produção renovável para autoconsumo, bem como bombas de calor.

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Já para as grandes empresas, de uma forma geral, o nível de tributação deverá manter-se, já que a taxa nominal do IRC não sofre alterações, e as derramas estaduais mantêm-se inalteradas. Mas, para as PMEs haverá um ligeiro alívio, na medida em que a matéria coletável sujeita à taxa reduzida de 17%, ou de 12,5% se a atividade for exercida em territórios do interior, é aumentada de 15 para 25 mil euros.

Quanto à tributação autónoma, há ligeiras mudanças. A sujeição passa apenas a ocorrer sobre despesas com veículos com custo de aquisição superior a 27.500 euros; a taxa agravada em 10 p.p. quando os sujeitos passivos apuram prejuízo fiscal, deixa de ser aplicável nos 2 primeiros anos de atividade; os veículos movidos a GPL deixam de beneficiar de uma redução de taxas. Ficou assim adiado um agravamento, que poderia ser a opção para desincentivar a atribuição pelas empresas de viaturas de serviço, a qual segue uma linha distinta através da majoração em 30% dos gastos suportados com a aquisição de passes sociais.

Relativamente a incentivos ao investimento, o regime que permite uma dedução à coleta de 10% dos lucros que sejam retidos e reinvestidos é alargado. De facto, os lucros retidos passam a poder ser reinvestidos num prazo de quatro anos, também em certos ativos intangíveis e o montante máximo dos lucros sobre o qual o benefício é calculado é aumentado de 10 para 12 milhões de euros. Já o SIFIDE, que visa incentivar as atividades de investigação e desenvolvimento, tem alterações pontuais, e a sua duração é estendida até ao final de 2025.

Estão ainda previstas autorizações legislativas para que o Governo crie benefícios fiscais em sede de IRC à criação de postos de trabalho em territórios do interior (a qual constou da proposta de 2019 e não foi avante) e às atividades de promoção de PME, com vista à internacionalização.

De salientar ainda a previsão expressa de uma isenção de Imposto do Selo para contratos de gestão centralizada de tesouraria (vulgo cashpooling) entre sociedades em relação de domínio ou de grupo, medida que se aplaude. Por sua vez, a isenção para empréstimos destinados à cobertura de carências de tesouraria passa a ser aplicada apenas quando os mesmos são realizados por sociedades, o que deverá ter sido uma alteração não intencional, já que a sua revogação poderá significar a sujeição a Imposto do Selo de financiamentos de prazo inferior a 1 ano concedidos por sócios pessoas singulares.

Com surpresa, é introduzida uma nova taxa de IMT de 7,5%, aplicável à aquisição de prédios urbanos destinados a habitação, cuja base tributável seja superior a 1 milhão de euros. Em sede de IMI, de destacar o agravamento significativo da taxa para prédios em ruínas e terrenos para construção habitacionais localizados em zonas de pressão urbanística e a revogação da isenção de IMI para prédios classificados como monumentos nacionais e individualmente classificados como de interesse público ou municipal.

De assinalar ainda que as regras de tributação dos rendimentos derivados do alojamento local sofrem nova alteração, sendo agravado de 0,35 para 0,50 o coeficiente aplicado para determinação da matéria coletável quando os estabelecimentos estejam localizados em áreas de contenção.

Nos impostos indiretos, há mexidas nas realidades sujeitas às taxas reduzida e intermédias, passando os espetáculos de tauromaquia a estar sujeitas à taxa normal e as entradas em jardins zoológicos, botânicos e aquários públicos à taxa reduzida.  Os demais impostos indirectos deverão, grosso modo, ter um aumento de taxa na ordem dos 0,3%

As alterações ao IVA da eletricidade no sentido da criação de escalões de consumo, permitindo a tributação à taxa reduzida ou intermédia, ficam dependentes da utilização da autorização legislativa e da UE. Uma realidade parece ser já a possibilidade de dedução do IVA suportado em despesas respeitantes a eletricidade utilizada em viaturas elétricas ou híbridas plug-in.

Por fim, mantém-se a tendência da criação de contribuições, sendo este ano adicionada uma incidente sobre os fornecedores da indústria de dispositivos médicos do Serviço Nacional de Saúde e outra sobre as embalagens de uso único. As demais contribuições sectoriais, aprovadas com caráter extraordinário, mantêm-se nos mesmo termos, estando, contudo, prevista uma autorização para proceder a alterações na contribuição sobre o sector energético.