Na última edição do Fórum Socialismo, uma espécie de espectáculo de variedades intelectuais organizado pelo Bloco de Esquerda – e foi a última no sentido em que foi a mais recente, não a edição terminal –, um comediante propunha aos socialistas forenses discutir “a arma do humor contra a extrema-direita”. Presume-se que a ideia de o humor ser uma arma contra a extrema-direita segue a mesma direcção semiótica de a cantiga ser uma arma contra a burguesia, como cantava o Grupo de Acção Cultural – Vozes na Luta nos idos da revolução. Mas atendendo aos resultados obtidos, se humor e cantigas fossem mesmo armas, têm andado mal afiadas e com os cartuchos vazios.

Nessa letra escrita por José Mário Branco, a eficácia mortífera do cançonetismo dependia de quatro factores: da raiva e da alegria, da bala e da pontaria. Para quem vê metralhadoras em pincéis e trincheiras em fossos de orquestras, é normal que a motivação seja a raiva, as piadas sejam balas e os temas delas, os alvos. Quem acha que a comédia é um ringue de boxe sentirá, com certeza, que quem é visado ou referido numa piada acaba com um lábio rebentado.

Pensará também, consequentemente, que a qualidade da democracia dependerá de as graçolas ou as canções serem mesmo boas e ditas ou cantadas com muita vontade. A ser verdadeiro esse pressuposto sobre as qualidades bélicas do humor e da música, talvez se possa concluir que, afinal, a fraca qualidade da democracia portuguesa se deva a insuficientes serviços de Herman José e José Afonso, e não a décadas de corrupção e nepotismos.

Da mesma maneira, o humor como forma de combater o fascismo deveria ter tido historicamente resultados muito mais frutíferos. Vejam-se os casos de Roma, em 1922, de Berlim, em 1933, ou de Madrid, em 1936. Em nenhum destes momentos os humoristas tiveram uma eficácia assinalável na ascensão dos ditadores e dos seus regimes autoritários. Em Portugal, as comédias da década de 1940 deveriam ter empurrado o Estado Novo para o abismo, e é mesmo muito pouco provável que a tomada do Quartel do Carmo a 25 de Abril de 1974 se tenha devido às rábulas de Ribeirinho e Vasco Santana em O Pátio das Cantigas.

Combater os extremismos com humor é como resistir à gripe com malabarismos ou evitar inundações com cinema japonês. Por um lado, os extremistas também sabem fazer piadas, e se o humor fosse realmente uma arma, a comédia tornava-se uma guerra. E para representar a guerra, os gregos já tinham as tragédias. Por outro lado, o humor, enquanto forma de arte, não é suposto ser uma luta contra nada – nem mesmo contra o tédio.

Talvez se possa compreender o desejo de tantos comediantes em sair para o terreiro político, quando tantos políticos se prestam com satisfação a palhaçadas. Vivemos tempos curiosos, em que D. Américo Aguiar se anima no púlpito a dizer piadas e Diogo Faro gosta de estar no palco a dar sermões, que até se poderiam intitular “O stand-up de Santo António aos fachos”.

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