Aproveitando a tarde soalheira, encontrei o Cónego Jeremias no alpendre da casa sacerdotal onde vive com outros presbíteros anciãos, valha a redundância.

– Então, Senhor Cónego, aproveitou a ponte do 25 de Abril para passear?

– Não, mas isso de fazer pontes é muito de acordo com a efeméride …

– Pois é: a Ponte 25 de Abril!

– Por acaso, essa ponte não tem nada a ver com o 25 de Abril. Por isso, quando se discutiu a promoção dos capitães de Abril, houve quem, maliciosamente dissesse que, pelo menos, tinham feito uma ponte …

– Pois é, não fizeram! Mas fizeram uma revolução!

– Também não diria tanto porque, como aqui explicou o Professor Rui Ramos, em “Aprender a falar do 25 de Abril”, o mesmo foi um golpe de Estado, não uma revolução. A que, acrescento eu, não houve oposição, porque o Estado Novo, se me permite a ironia, caiu de velho e de podre …

– Mas o Senhor Cónego não é a favor do 25 de Abril?!

– Claro que sou, o mais possível, até porque o anterior regime estava esgotado. Mas sou contra esta tentativa de idolatrar o 25 de Abril e falsificar a História, como se antes se vivesse na mais obscura e tenebrosa tirania …

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– E não vivia?! Não se esqueça da censura, da PIDE …

– Com certeza e ainda bem que agora temos, formalmente, liberdade política e de expressão, mas olhe que no Estado Novo havia o República que, depois do 25 de Abril, foi obrigado a fechar. E, em plena ditadura, Álvaro Cunhal pode apresentar, na Faculdade de Direito de Lisboa, diante de um júri de professores do regime, um trabalho em que defendia o que então era um crime no nosso país: o aborto! E até passou com boa nota!!

– Sim, mas estava preso em Caxias pelas suas ideias políticas e hoje, em Portugal, ninguém é preso por razões ideológicas, felizmente!

– Talvez, mas, como lembrou o Professor Rui Ramos, em 1975 havia mais presos políticos do que antes do 25 de Abril de 1974! Na anterior legislatura, que terminou agora, o então prepotente presidente da Assembleia da República, que nem sequer foi reeleito deputado, tudo fez para calar o terceiro maior partido político português. E ainda hoje, com a narrativa do ‘discurso de ódio’ e da criminalização das terapias de conversão, há quem se arrisque a ser condenado, por um alegado delito de opinião, a penas efectivas de prisão!

– Mas a Constituição defende a liberdade, não é?

– Claro que sim, como também defende a inviolabilidade da vida humana e, no entanto, não só se legalizou o aborto como também a eutanásia! Se uns pais, como aconteceu em Famalicão, nem sequer se podem opor a que aos seus filhos, por sinal excelentes alunos, lhes seja impingida a ideologia de género, que nada tem de científico, que liberdade há em matéria de educação?!

– Esperemos que o novo Governo seja mais amigo da liberdade e cumpra, efectivamente, a letra e o espírito da Constituição, de que o Presidente da República deve ser o principal garante, pois jurou cumpri-la e fazê-la cumprir.

– Essa é outra! Não se esqueça que promulgou a lei que legaliza a eutanásia, não só contradizendo a Constituição, como defraudando o seu eleitorado e o país. Graças a essa lei iníqua, passou de Presidente dos afectos a Chefe de(t)Estado …

– Que me diz a isso das reparações ‘devidas’ às antigas colónias?!

– Isso não tem pés nem cabeça, mas é confrangedor que quem até é jurista, filho de um ex-Governador-Geral de Moçambique, que foi o último Ministro do Ultramar do Estado Novo, faça declarações deste género. Se alguma ex-colónia pedir uma indemnização, que responde o Governo português?! Paga … ou diz que as declarações do Chefe de Estado não são para tomar a sério?!

– Há quem diga que criou este facto político, para evitar que se fale do caso das gémeas brasileiras …

– Helena Matos disse-o, na sua crónica “Belém, temos um problema”, de 28 de Abril passado, e é óbvio que há quem esteja interessado em abafar o caso.

– Que comentário lhe merece o que o Presidente disse do filho?

– Obviamente não comento, mas é lamentável fazer confidências destas em público! Quando, a 12-5-1982, o sacerdote espanhol Juan Fernández Krohn atentou, em Fátima, contra a vida de São João Paulo II, os pais dele vieram logo, de Madrid a Lisboa, para pedirem perdão ao Papa. Não obstante a sua terrível dor e vergonha, assumiram a culpa do tresloucado filho, de que não eram, em termos legais ou morais, minimamente responsáveis. Isto sim, é grandeza de alma e nobreza de carácter.

– Por fim, que me diz da derrota de Pinto da Costa nas eleições do Futebol Clube do Porto?

– Há muito boa gente que não é capaz de deixar o poleiro: ainda bem que os bispos, aos 75 anos, têm de apresentar a demissão! Bento XVI, renunciando ao papado, deu um grande exemplo de humildade e de desapego do poder. A mim lembra-me o famoso Cónego Arlindo, de Braga, de quem se contava uma história deliciosa: sendo novo, tinha escrito uma carta para ele abrir quando fizesse 70 anos. O seu texto era muito breve: ‘Arlindo, vai-te embora, que já se andam a rir de ti!’ Mas, quando chegou ao seu 70.º aniversário e leu a carta, limitou-se a acrescentar um post-scriptum: ‘Arlindo, quando eras novo eras muito tonto!’ E, claro, não se demitiu de coisa nenhuma …