A única maioria que existirá no parlamento depois das eleições de domingo passado será uma maioria de bloqueio. Será, quando muito, uma maioria para impedir a Coligação de governar, apesar de esta ter sido a mais votada, mas não permitirá ao PS pôr em prática o seu programa nem sequer repor muitos dos «cortes» que foram feitos na sequência do memorando que o próprio PS assinou em 2011 com a «troika» antes de perder as eleições para o PSD e o CDS.

É difícil de imaginar, com efeito, que PCP e BE entrem sem segundas intenções para um eventual governo do PS. Isso seria aliás fatal para este último a curto prazo. E é igualmente certo que nem o PCP nem o BE apoiariam muitas das medidas que um ministro das Finanças como Mário Centeno gostaria de aplicar; para não falar de muitas outras questões em jogo. Poderá a «esquerda à esquerda do PS», como ela se descreve a si própria, abster-se porventura quando não apoiar uma medida do PS mas, nesse caso, arrisca-se a permitir que a Coligação, isolada na oposição, se substitua momentaneamente a ele para derrotar o PS.

Em suma, maiorias só contra; a favor, só minorias. Não há governo minimamente estável à vista e isso terá custos de todo o tipo, desde o encarecimento dos juros da dívida até ao retraimento dos investidores e consumidores. É isto que decorrerá do actual desequilíbrio eleitoral, provocando a instabilidade e ingovernabilidade que o ainda Presidente da República (PR) pretendeu evitar ao encorajar um entendimento entre a Coligação e o PS. Toda a gente percebeu isso. Em contrapartida, à medida que um eventual governo socialista, a concretizar-se, se irá afundando num mar de ideologias contraditórias, onde cada grupo do trio de «esquerda» estará mais preocupado em vigiar os parceiros do que o adversário, os resultados dissolventes da maioria de bloqueio ficarão à vista de todos. Ou alguém imagina outra coisa?

Chegar-se-ia em breve a um grau de ingovernabilidade que ditaria a queda desse governo assim que a Constituição permita convocar novas eleições. Nessa altura, terá sido eleito um novo PR e, para confirmar que não existe em Portugal qualquer «maioria de esquerda» consistente, o novo presidente estará muito mais próximo da Coligação do que do bloqueio do país. E rapidamente se verá forçado a dissolver o parlamento quando esse bloqueio se comprovar inultrapassável.

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Ou alguém imagina que o respeito mínimo exigido pelas normas orçamentais europeias, bem como os custos financeiros associados à instabilidade institucional e à guerrilha ideológica, permitirão ao partido socialista continuar a contemporizar com os seus pseudo-aliados? Pois se o próprio Syriza teve de engolir todas as suas pretensões a fim de a Grécia sobreviver mais uns tempos à bancarrota! Dito de outro modo: alguém imagina uma maioria favorável em Portugal à saída do euro e à ameaça de nova bancarrota em troca por uma pretensa soberania e pela promessa de crescimento da «esquerda»? Até à posse do próximo PR, todos os indicadores financeiros e económicos teriam piorado por causa da situação criada pela maioria de bloqueio e isso não escaparia à sensibilidade que a população portuguesa ganhou nesta matéria!

António Costa, visivelmente embaraçado perante o fraco resultado do PS, rejeitou com ironia despropositada a sugestão que Cavaco Silva tem vindo a fazer no sentido da formação de um «bloco central» como a única forma de entendimento das forças partidárias susceptível de ultrapassar essa maioria de bloqueio que ameaça criar-se no parlamento. Costa respondeu, sem humor, que isso seria só para emergências como a «invasão dos marcianos»…

É verdade que o secretário-geral do PS e o seu partido estão em estado de total negação desde que o governo Sócrates teve de pedir socorro à «troika». A amnésia política fê-los também esquecer esse «bloco central» do PS+PSD, encabeçado por Mário Soares de 1983 a 1985, que nos permitiu ultrapassar a segunda bancarrota do Estado português desde o 25 de Abril e aderir à então Comunidade Económica Europeia, já nessa altura odiada pelo PCP e pelos antecessores da actual «esquerda radical». Esta amnésia é mais uma sequela funesta do consulado socrático, que terminou da maneira que se sabe e desencadeou no espaço político um tipo de confrontação partidária como não se via desde o PREC, com um grau de virulência crescente desde que o PS perdeu o poder.

O despeito e a violência verbal da «esquerda» nunca foram tão grandes e pessoalizados como de então para cá. É isto, lamentavelmente, que está a empurrar Costa e o PS para os braços da «esquerda à sua esquerda», como se todos eles gozassem de uma abusiva legitimidade, não de ordem política, mas sim ideológica, para não dizer meramente propagandística. Como se a invocação ritualística da palavra «esquerda» abrisse alguma porta e resolvesse algum problema!

Ironia das ironias, esta maioria de bloqueio promete fazer despesas miríficas com as magras poupanças amealhadas pela «direita». Custa a acreditar que António Costa e o PS se arrisquem a fazer de Portugal um laboratório e dos portugueses cobaias da intolerância partidária. O certo é que, embora a experiência fosse possivelmente curta e redundasse numa derrota clarificadora, os custos seriam enormes para o país!