Fosse ainda vivo, Michelangelo Antonioni, realizador italiano nascido em Ferrara, faria hoje 110 anos. Importa então recordar o porquê de, tantos anos depois, o seu cinema continuar a ser tão relevante e único na história da Sétima Arte. Juntamente com mestres inegáveis como Fellini ou Visconti – muitos mais nomes podiam ser citados, tal é a riqueza do cinema em Itália – Antonioni foi um dos principais responsáveis por transformar e elevar o cinema do seu país.

Em grande parte isto aconteceu pois o Cinema de Antonioni vive de um corpo comum que enaltece a sua obra como um todo de constante complementaridade. Mesmo que não se consiga tirar conclusões específicas de alguns dos seus filmes mais complexos, os temas que pretendia analisar são facilmente percetíveis. Contrariamente aos seus contemporâneos italianos, que fizeram carreira na análise das classes mais baixas do pós-guerra, criando a corrente Neorrealista. Optando por explorar a classe média/alta do seu país, Antonioni examinou as angústias e dilemas existenciais que a caracterizaram, procurando um caminho que só pode ser encontrado no seu cinema. Enquanto o Neorrealismo se debruçava sobre a classe operária e procurava um estudo pessoal dos seus problemas mais práticos, Antonioni estudou a verdadeira insatisfação do mundo moderno.

As suas personagens são sempre representantes de uma realidade pós-modernista, secretamente insatisfeitas e visivelmente incompreendidas. Pode mesmo dizer-se que não possuem um rumo, objetivo ou finalidade bem definidos. O realizador encontrou em Monica Vitti a personificação daquilo que queria representar e fez das suas personagens um protótipo daquilo que procurava explorar. Vitti foi figura central em muitos dos seus filmes mais célebres – rapidamente lembramos trilogia da incomunicabilidade: L`Avventura (1960), La Notte (1961), L`Eclisse (1962) – representando sempre uma mulher solitária, perdida e desesperada por encontrar um sentido num mundo onde, apesar de tudo lhe ser acessível, nada lhe parece suficiente.

A segunda vertente que torna o Cinema de Antonioni tão difícil de classificar deve-se ao facto de não ser possível incluí-lo em nenhuma corrente cinematográfica. O mestre de Ferrara fez a sua carreira de maneira verdadeiramente independente, à margem de modas ou grupos, sendo, por isso, única a obra que deixou. Se o seu cinema foi frustrante para alguns, continua a ser fundamental para outros. A dualidade de análise dos seus filmes não vem de agora, basta lembrar que quando L`Avventura, o seu primeiro grande sucesso internacional, estreou em Cannes foi recebido com grande polémica. No final da exibição ao público, grande parte dos espetadores pateou o filme, considerando-o escandaloso e supérfluo. Poucos dias depois viria a ganhar o Grande Prémio do Júri e receber considerações de obra-prima por mestres como Rossellini ou Bergman.

Antonioni deixou para trás uma obra vasta, que percorreu toda a segunda metade do século 20 e incluiu mais de 20 longas-metragens. A sua vida foi repleta de eventos memoráveis (para conhecer mais fundo o seu percurso e compreender melhor o seu processo criativo recomendo a leitura de That Bowling Alley in the tiber (1983) escrito pelo próprio), dignos de alguém cuja humanidade se estende para além da sua própria obra. Morreu a 30 de julho de 2007, em Roma, e até o dia da sua morte ficou marcado por uma menção curiosa – exatamente na mesma data, horas antes, noutro país da nossa Europa, morria Ingmar Bergman, outro cineasta do olimpo dos grandes realizadores que já viveram.

Ver os seus filmes atualmente continua a fazer tanto sentido como na altura em que foram lançados. Hoje, 110 anos depois de Antonioni ter nascido, os problemas que retratou no seu Cinema permanecem intemporais, fruto de uma sociedade que, apesar da sua constante mudança, continua a viver uma clara crise de personalidade e incomunicabilidade.

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