Há duas semanas, mais concretamente a 14 de fevereiro, ainda antes da invasão militar russa, foi aprovado no PE [Parlamento europeu] um pacote de assistência macrofinanceira à Ucrânia, no valor de 1,2 mil milhões de euros. José Gusmão e Marisa Matias, os dois representantes do BE, abstiveram-se, juntamente com outros 41 parlamentares. Houve ainda 53 votos contra, entre os quais dois do PCP” (Expresso, 2-3-2022), os dos eurodeputados Pimenta Lopes e Sandra Pereira. A proposta da Comissão Europeia foi, felizmente, aprovada por 598 votos a favor, 55 contra e 41 abstenções.

A manifesta falta de solidariedade dos eurodeputados do PCP e do BE em relação à Ucrânia provocou uma compreensível e generalizada indignação nacional. Nos media, que professam um corporativo ódio de estimação pela direita antissistema, mas uma descarada veneração pela esquerda antidemocrática, o PCP e o BE tentaram justificar o injustificável, explicando que são pela paz, mas não nos moldes propostos (?!). Desculpa esfarrapada porque, como se costuma dizer, contra factos não há argumentos.

Na verdade, de estranhar seria que o PCP e o BE tivessem votado a favor da Ucrânia porque, como a História ensina, sempre apoiaram regimes totalitários.

A 2-3-2017, o Grupo Parlamentar do PSD propôs um voto de condenação pelo Holodomor: “Em 1932 e 1933 ocorreu na Ucrânia a Grande Fome, provocada pelo regime comunista totalitário de Estaline, que terá causado a morte a cerca de 7 milhões de cidadãos ucranianos. Tal como é destacado na Resolução do Parlamento Europeu de 23 de outubro de 2008, o Holodomor de 1932-1933, foi planeado de forma cínica e cruel pelo regime comunista soviético”.

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Como se recorda nesta proposta, o Holodomor já tinha sido internacionalmente reconhecido e condenado em várias ocasiões, “nomeadamente a Declaração Conjunta aprovada na 58.ª Sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas, em Setembro de 2003; a Resolução da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, de 25 de Janeiro de 2006, que condena os crimes praticados em nome da ideologia comunista e a Moção apresentada, em 25 de Janeiro de 2008, na mesma Assembleia Parlamentar sobre ‘a necessidade de uma condenação internacional do Holodomor ucraniano de 1932-1933’; a Resolução da Conferência-Geral da UNESCO, de 1 de Novembro de 2007, de ‘Homenagem às Vítimas da Grande Fome na Ucrânia’ e, ainda, a Declaração Conjunta dos Estados-Membros da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), no 76.º Aniversário do Holodomor de 1932-1933 na Ucrânia, em 30 de Novembro de 2007.” Também a Austrália e dezanove países europeus e americanos reconheceram que o Holodomor foi um dos piores genocídios do século XX.

A 3-3-2017, a Assembleia da República, em sessão plenária, foi convidada a “expressar solidariedade com o povo ucraniano e reconhecer o genocídio que terá vitimado cerca de 7 milhões de ucranianos nos anos de 1932 e 1933, na Ucrânia” e a “condenar todas as formas de totalitarismo e todo o tipo de violações e crimes contra a humanidade, como aqueles que ocorreram na década de trinta na Ucrânia”. Esta moção foi aprovada “com os votos a favor do PSD, do CDS/PP, do PAN e do deputado do PS, Eurico Brilhante Dias”. Vergonhosamente, votaram contra os deputados do PCP/PEV, do BE, e os socialistas Isabel Moreira, Paulo Pisco e Isabel Santos.

A agência Lusa, a 1-2-2019, deu conta de que “o Parlamento aprovou hoje dois votos, um do PSD e do CDS/PP, a condenar as mortes de manifestantes na Venezuela, e outro do PS, a pedir uma solução pacífica para a crise, por via de eleições democráticas. Na mesma sessão plenária, foi chumbado um voto do PCP a condenar a ‘operação golpista’ contra o Governo de Caracas e a ‘campanha de agressão’ à Venezuela – um documento que recebeu apenas o apoio do PEV e a abstenção do Bloco de Esquerda” (DN, 1-2-2019). Mais uma vez, os dois partidos comunistas – PCP/PEV e BE – uniram-se contra a democracia e no apoio ao regime autoritário de Chávez e de Maduro.

A 19-9-2019, o Parlamento europeu aprovou a resolução Importance of European remembrance for the future of Europe, condenando o nazismo e o comunismo, na medida em que ambos cometeram “genocídios e deportações”, tendo sido “a causa da perda de vidas humanas e da liberdade, em escala até agora nunca vista na História da humanidade.” Esta resolução, que foi aprovada por 535 votos, contou com 66 votos contra e 52 abstenções. Quase todos os eurodeputados portugueses votaram a favor, com excepção de Sandra Pereira e João Ferreira, do PCP, e de Marisa Matias, do BE. De novo, o PCP e o BE opuseram-se à condenação do nazismo e do comunismo.

No mesmo dia 19-9-2019, o PCP emitiu um comunicado a lamentar a “grave e abjecta resolução” aprovada pela esmagadora maioria dos eurodeputados, por considerar que promove “o anticomunismo” e “as mais reacionárias concepções e falsificações da História contemporânea”, como se o regime comunista não fosse quem, uma e outra vez, falsifica a História, até apagando das fotografias os dissidentes assassinados pela respectiva polícia política.

Seria cómica, se não fosse dramática, a tentativa de negar a aliança político-militar de nazis e comunistas: o tratado Ribbentrop – Molotov, que decidiu a comum invasão e partilha da Polónia, dando início à Segunda Guerra Mundial.

O comunicado do PCP afirma ainda “o contributo decisivo dos comunistas e da União Soviética para a derrota do nazi-fascismo”. Esquece, contudo, que os soviéticos só combateram os seus aliados nazis quando estes se voltaram contra eles e que, para todos os países que depois da guerra ficaram sob o domínio da URSS, essa libertação foi o princípio de uma nova e mais terrível opressão. É de um insuportável descaramento que o PCP afirme o papel que os comunistas desempenharam na “libertação dos povos da opressão fascista, como ocorreu em Portugal”, quando tudo fez, durante o PREC, para impedir a instauração da democracia depois do 25 de Abril. De então, o slogan que o 25 de Novembro cumpriu e que continua pertinente: nem fascismo, nem social-fascismo!

Não foi de ânimo leve que o Parlamento europeu aprovou, por esmagadora maioria, a resolução que equipara o nazismo ao comunismo, condenando ambos totalitarismos, responsáveis, respectivamente, pelos genocídios dos judeus que foram vítimas do Holocausto e dos ucranianos mortos à fome em 1932-33. Não em vão, esta resolução intitula-se Importance of European remembrance for the future of Europe. Não se pode esquecer o Holocausto, nem o Holodomor, por mais que surjam movimentos negacionistas de neonazis e de comunistas. A falsificação da verdade está ao serviço do totalitarismo e, por isso, é preciso não esquecer.

O facto de o PCP e o BE não terem votado, no Parlamento europeu, a favor da Ucrânia, foi uma atitude coerente com a sua comum ideologia e deveras esclarecedora, sobretudo para quem não sabia de que lado estão nesta guerra, que não é regional, nem continental, mas civilizacional. Por exigência da caridade cristã, há que respeitar os militantes do PCP e do BE, mas não a sua ideologia, contrária aos direitos humanos, à verdade, à democracia, à justiça social e à liberdade. Por respeito pelos treze milhões de vítimas do Holocausto e do Holodomor, e pelos cem milhões de vítimas do comunismo, não é possível esquecer. Recordar a verdade é, afinal, defender a liberdade porque, como Jesus Cristo disse, só a verdade nos faz livres (Jo 8, 32).

* Para a Profª. Doutora Aline Hall de Beuvink, em cujas veias corre sangue ucraniano, com o meu muito apreço pessoal e a maior admiração pelo povo mártir da Ucrânia.