Ao contrário de muitos outros, não conhecia Vasco Pulido Valente. Nem sequer alguma vez o vi. Fui simplesmente um leitor do Pulido Valente. No Independente, lia, religiosamente, as suas crónicas todas as semanas. Desde aí continuei sempre a ler o Vasco: no Público, no Diário de Notícias, na Atlântico, de novo no Público, no Observador e de novo no Público. Com a idade, as mudanças profissionais, de interesses e de vida, vamos deixando de ler muitos a quem no passado fomos fieis. O Pulido Valente foi o único cronista a quem fui sempre fiel. Era incapaz de não ler um artigo seu, e fazia-o sempre com atenção, interesse e até ao fim. Quando ele deixou de escrever no Público já há umas semanas, desconfiei que se passava alguma coisa. Continuava sempre com esperança que um sábado o seu Diário voltaria. Nunca mais voltou. O Público de sábado nunca mais será o mesmo.

Muitos sublinharam a “inteligência” do Pulido Valente, o seu “génio” e o seu “brilhantismo.” Era obviamente tudo isso, mas para mim tudo isso era secundário. A maior virtude de Pulido Valente era o seu amor pela liberdade. Vasco Pulido Valente era o homem mais livre que existia em Portugal. Escrevia e dizia sempre o que pensava, e sempre sem qualquer medo e sem calculismos. Nada nem ninguém o condicionava. Não percebi isso desde o início, mas quando entendi a minha admiração por ele aumentou e muito. Deixei de apenas apreciar o seu talento, e passei a admirar a sua atitude de intelectual livre e sem compromissos.

Nunca me preocupei se Pulido Valente era de direita ou de esquerda, socialista, liberal ou conservador. Nem sequer interessava se concordava ou não com os seus argumentos. Lia-o pelo gosto de ler um homem culto e com um talento único para a escrita; e lia-o pela admiração que tinha pela sua liberdade.

Vivemos num país ondes muitos gostam de elogiar a liberdade, mas são poucos os que a praticam. Pulido Valente mostrava todas as semanas o que significa ser um homem livre. Numa democracia é fundamental existirem intelectuais livres. São eles que mostram que se vive numa sociedade livre. Para que serve viver em democracia se não houver liberdade? Pulido Valente mostrava todas as semanas que valeu a pena fazer o 25 de Abril, lutar pela vitória no 25 de Novembro, e continuar a resistir a todos aqueles que querem limitar a nossa liberdade. Sobre Pulido Valente, podemos dizer uma coisa sem risco de errar: esteve sempre do lado da liberdade. Este exemplo foi o seu maior legado para a vida intelectual e pública em Portugal.

Havia para mim um mistério em relação a Pulido Valente. Tinha feito o Doutoramento em Oxford, não entendo porque nunca quis mostrar os seus talentos fora de Portugal. Se tivesse publicado em inglês, teria sido um historiador ao nível dos melhores na Europa. Se fosse um cronista numa revista ou num jornal em Inglaterra, seria o melhor. Conheço bem os cronistas britânicos, não há hoje um melhor do que foi Pulido Valente. Talvez tenha sido falta de ambição, ou excesso de comodismo. Mas talvez tenha sido também o resultado do seu amor pelo nosso país.

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