Tal como um mantra, é-nos incutido que o lítio é imprescindível para a digitalização e, consequentemente, para a descarbonização da nossa economia. Ou seja, graças à exploração do lítio em Portugal, vamos supostamente diminuir a emissão de dióxido de carbono a nível da nossa economia. É essa a equação que o Governo defende sem compromisso, nomeadamente o Sr. ministro do Ambiente Matos Fernandes (que também defende não ser ambientalista), para justificar a necessidade imperiosa de explorar o lítio no nosso país.

Essa afirmação é verdadeira ou falsa?

De acordo com um relatório recente do think tank francês, “The Shift Project”, de 2019, a contribuição da tecnologia digital nas emissões globais de gases com efeito de estufa representa 4% das emissões a nível mundial (o transporte aéreo civil representa 2% a 3%), e considerando a evolução exponencial da digitalização do nosso mundo, poderá chegar a 8% em 2025.

Em consequência, a afirmação do Sr “ministro do Ambiente que não é ambientalista”, de que o lítio e a digitalização são imprescindíveis para a descarbonização da economia, é falsa.

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Outra ideia veiculada com insistência pelo mesmo Sr. “ministro do Ambiente que não é ambientalista”, e agora mais recentemente pelo Sr. Primeiro-Ministro António Costa, é que Portugal beneficia das maiores reservas de lítio da Europa, por isso temos quase o “dever moral” de explorar os nossos recursos endógenos.

Essa afirmação é verdadeira ou falsa?

A nível mundial, as reservas portuguesas são anedóticas e nunca poderão competir do ponto de vista económico com as reservas de lítio do triângulo do lítio sul americano: Bolívia, Argentina e Chile. Segundo dados recentes publicados em 2019 pelo USGS (agência científica do governo dos Estados Unidos), os recursos de lítio foram estimados em 62 milhões de toneladas a nível mundial, quando Portugal possui apenas 130 mil toneladas. Dados que permitem relativizar bastante quanto à nossa suposta riqueza em lítio.

A nível europeu, a mesma fonte refere que a República Checa, por exemplo, possui recursos de lítio estimados em 1,3 milhões de toneladas, a Sérvia um milhão de toneladas, a Espanha 400 mil toneladas e a Alemanha 180 mil toneladas. Atualmente, já existem vários projetos de exploração de lítio europeu em fase de estudo: Cinovec, na República Checa, considerado o quarto maior depósito do mundo de lítio não-salmoura; Jadar, na Sérvia, onde foi estimado que podia conter 10% das reservas mundiais;  águas termais sob o rio Reno na Alemanha, potencialmente um dos maiores depósitos do mundo, com lítio suficiente para produzir baterias para cerca de 400 milhões de carros elétricos!

Portanto, mais uma vez, a afirmação de que Portugal tem as maiores reservas de lítio da Europa é falsa.

Dito isto, coloca-se naturalmente a pergunta de saber qual é o objetivo destas “fake news oficiais”?

Só podemos especular. Mas uma razão óbvia salta à vista: manipular a opinião pública para que o cidadão português apoie essa exploração devastadora para o ambiente, pensando contribuir dessa forma para a sua preservação. E poder, em paralelo, qualificar esses projetos de interesse público, quando se trata apenas de projetos de interesses privados. A verdade é que esta propaganda está a ser muito bem sucedida.

Numa entrevista recente, o Sr. “ministro do Ambiente que não é ambientalista” afirmou que “aqueles que acham que tudo pode vir de longe, certamente não se aperceberam de uma coisa que todos se aperceberam menos eles, que se chama Covid e que mostra à sociedade que, quanto mais curtas forem as cadeias de produção e consumo, menor é a pegada ambiental”.

Fazendo abstração do tom irónico e desdenhoso utilizado, ao qual não me consigo habituar, só podemos concordar com a ideia de que temos de relocalizar a economia. Foi preciso um vírus letal e milhões de mortes para que os governantes de muitos países percebessem isso. Então, desafio os nossos governantes a usar outra tanta energia como a que têm usado para tentar impor as minas, na relocalização efetiva da nossa economia no seu global e não só na produção de lítio, que produzido isoladamente para nada serve.

Pois, informamos o Sr “ministro do Ambiente que não é ambientalista” que o lítio é apenas um dos componentes das baterias de lítio. Muitos dos materiais utilizados vão continuar a ser produzidos em países longínquos, como é o caso do cobalto por exemplo, elemento crucial na fabricação das baterias de lítio (produzido essencialmente na República do Congo). Por outro lado, por meras contingências económicas (que quase sempre acabam por prevalecer), a produção das baterias de lítio vai provavelmente continuar a realizar-se maioritariamente na China.

Em conclusão, sim, Sr. “ministro do Ambiente que não é ambientalista”, temos que mudar substancialmente o nosso modo de vida! Mas minar grande parte do interior do nosso país (que coincide com áreas de grande biodiversidade), trocar os carros a combustão por carros elétricos e instalar eólicas e painéis solares (que também necessitam de quantidades de matérias-primas e de energia consideráveis para serem produzidos) sem questionar a causa dos problemas graves que estamos a vivenciar (alterações climáticas e Covid), não nos vai levar a lado nenhum, senão para o “abismo”!

Tomemos consciência, de que se continuarmos com o ritmo atual de consumo mundial de metais – que cresce entre 3% e 5% por ano devido, em grande parte, à dita transição “verde”-, daqui até 2050 teremos de extrair do subsolo mais metais do que a Humanidade extraiu desde a sua origem! Ou seja, vamos ter que esburacar ainda mais os nossos solos, as nossas montanhas, poluindo e destruindo ainda mais a “mãe natureza”, para, supostamente, diminuir os efeitos deletérios das alterações climáticas. É simplesmente suicida! Portanto, a dita “economia verde”, “transição verde”, “desenvolvimento sustentável”… sem um questionamento profundo do nosso modo de vida não nos irá “salvar”.

A própria ONU tem alertado a comunidade internacional para o facto do declínio da biodiversidade ser tão ou mais grave quanto as alterações climáticas: tanto um como o outro podem colocar em perigo a sobrevivência da espécie humana. A crise da Covid-19 relembra-nos isso a cada dia que passa. As crises climática e da biodiversidade devem ser combatidas em simultâneo, e não uma em detrimento da outra. Além disso, a biodiversidade é um parâmetro crucial na luta contra as alterações climáticas.

Portanto, tenham a coragem de questionar “as verdades” que aprenderam nos bancos das universidades e pôr em causa o modelo de sociedade insustentável que tentam defender a todo o custo (mesmo pintado de verde). Lembrem-se que um sistema que destrói as suas próprias condições de existência, não tem viabilidade nem futuro. É tão simples quanto isso.

Se não fizerem esse trabalho imprescindível de questionamento, não tenho dúvida de que o povo português o fará em breve. Isso já está a acontecer…