Imagino que o Padre Adelino tenha seguido as indicações superiores e falado das Jornadas Mundiais da Juventude na missa de Domingo. Tão pragmático como corajoso voltará ao tema lá pela Páscoa, tempo de festejos e da curta visita da praxe, miragem de vitalidade da paróquia de Monsanto. Em Idanha-a-Nova, terra que definhou nos anos sessenta com a debandada das suas gentes para França e Lisboa, a ideia de juventude persiste ácida, corrói ausências e incapacidade de contrariar a desertificação.

No banco do pequeno Largo, ao sol do inverno frio, o Padre Adelino troca dois dedos de conversa com quem se vai sentando por ali. As deixas são curtas e tácitas, meias palavras e um olhar chegam. A morte de Alberta que os parentes choraram em Lisboa, a vice-Presidente da Câmara de Idanha-a-Nova que vai ser julgada por falsificação por estes dias, os cumprimentos de António Costa e dos seus ministros, na visita recente, vestidos de escuro e a marchar pelo concelho de Castelo Branco, respirando oxigénio socialista.
À nossa frente, a paisagem avassaladora e o Castelo de Monsanto, a condenação e a glória do selo Aldeia Histórica, eficaz a atrair turistas mas que não dá cabo da pobreza, do abandono e da humidade das casas. Há mais de 50 anos que o Padre acorda para estar à altura de entender esse povo bom, de vida dura, muito dura. Aos oitenta anos é um deles, merece-lhes a familiaridade, esteve onde mais ninguém estava. Os crimes sexuais que a Igreja escondeu doem-lhe, em íntima revolta e repugnância.

A cada Domingo, recolhe os devotos que lhe restam, numa carrinha emprestada pela Junta de Freguesia. Estão espalhados por 17 localidades rurais, lá em baixo, que assim sobem ao centro histórico de Monsanto e se põem a par das novidades.«Quando estes morrerem acabou-se», diz-nos ele, desarmando a equipa que está ali a fazer um documentário, num inesperado pleno de verdade.

Imagino que o Padre Adelino esteja satisfeito com as primeiras inscrições dos idanhenses nas Jornadas, como peregrinos e voluntários. O convite dirigiu-se também ao caudal largo de não praticantes e terá mobilizado filhos da terra, incluindo estudantes do Politécnico de Castelo Branco ou outros que se deixaram ficar, empregados no turismo ou no agro-alimentar que se afirma.

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Segundo o Censos de 2021 duplicou o número de portugueses que assumem não ter religião. Dá-se por eles, na bolha das redes sociais multiplicam-se as reacções negativas às Jornadas, a Fé é ridicularizada em comentários equipados de desdém e superioridade intelectual. A ponta do iceberg mostra ódio e ideias sedimentadas, tornada vulgar a construção mental em que os padres guardam em si a perversidade do mundo.

A que esforços se terá dado o Padre Adelino para levar alguns fiéis a ver o Papa e a participar nos “Dias nas Dioceses”? Ou terá encontrado à sua espera uma certa surpresa na adesão, sendo Francisco um Papa amado, em que até alguns agnósticos vislumbraram progressismo, que se tem preocupado com a Paz, os Direitos Humanos, o respeito pelo ambiente e a defesa da liberdade religiosa?

À noite, em frente à televisão, o Padre Adelino terá sabido da polémica do palco altar. Ter-lhe à parecido aviltante ou, quem sabe, ter-lhe-à ocorrido um outro número, vários outros números, igualmente espantosos, como o da indemnização da secretária de Estado do Tesouro, aprovada por whatsup e logo esquecida? Não consigo sequer supor. Mas parece-me que lhe terá passado ao lado o retweet de uma jornalista, feito logo após ter noticiado a desmesurada ambição da Câmara de Lisboa. Um tweet humorístico de muitas partilhas, feito por Jaby Besus: «Se um filho meu me dissesse que queria ir para as jornadas da juventude metia-o de castigo 5 dias no Boom».

O Padre Adelino até sabe o que é o Festival Boom. De dois em dois anos repete-se o fenómeno que se agigantou e merece prémios de sustentabilidade. Na ultima edição, a Boomland ocupava 150 hectares e recebia 40 mil visitantes, de 147 nacionalidades. Ao todo, 392 horas de música, instalações de 37 artistas e 420 conferências e workshops, incluindo actividades infantis. O tema em debate foi, precisamente, o activismo, que fez sucederem-se workshops relacionados com o ambiente e a permacultura, levando a que treze organizações não-governamentais do se fizessem representar.

O Boom tem contribuído para fixar em Idanha-a-Nova jovens adultos que querem viver de maneira menos consumista, respeitando ritmos da natureza. Plantam, tecem e criam galinhas. Alguns têm competências tecnológicas, estão no mundo digital e somam seguidores, consolidando a imagem paradisíaca da região. Compraram terrenos e não raramente têm casas não licenciadas, erguidas por métodos ancestrais. Alguns deles opõem-se à construção do IC31, essa velha promessa retomada pelo novo ministro João Galamba, vendo-a como ameaça ao santuário que os seduziu.

Nesta 2ª ruralidade, que Governo e câmaras querem fomentar através de incentivos à fixação e ao investimento, existem investigadores que a pensam capaz de fazer a convergência da revolução demográfica, climática, energética, ecológica, digital, demográfica, socioeconómica e laboral. O que não é pouco. Para já conseguiram fazer reabrir a escola básica de Monsanto, há seis anos atrás. Nas 17 localidades de lá de baixo crescem crianças com progenitores vindos da Bélgica, Itália, Canadá, Holanda, Reino Unido, Escócia e Alemanha. Os pais não votam mas começam a reclamar a sua relevância económica e social na região, que funciona em paralelo ao mundo do Padre Adelino.

O Boom e as Jornadas Mundiais da Juventude pouco terão em comum mas ambos assentam em ideais e empoderamento, em algum tipo de poder transformador. Mais ou menos claramente, tratam de desinstalação e de modelos esgotados. Mas sobretudo têm em comum o fanatismo e desonestidade intelectual com que são reduzidos e desrespeitados, com grande facilidade. O Festival Boom não é somente um lugar para consumir ácidos e cogumelos em segurança, os festivaleiros não são metros do mesmo pano. As Jornadas Mundiais de Juventude não vão juntar jovens de plástico, “anormais” manipulados, que não gostam de cerveja ou de noitadas, pobres idiotas. Não me lembro de nenhum momento em que tenha sido mais importante recusar radicalismos e julgamentos descaradamente preconceituosos, a ideia de que as minhas convicções valem tanto como as de quem tenho à frente está a eclipsar-se assustadoramente.

11 de Fevereiro 2022

Texto escrito segundo a antiga ortografia; Crédito fotografia Luiz Carvalho