Recentemente, um vídeo do Bloco de Esquerda criticou a chamada “dupla subsidiação” nos fundos de capital de risco financiados pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e pelo programa SIFITE. Embora a preocupação com a utilização eficiente dos fundos públicos seja legítima, é essencial olhar para este debate com uma perspetiva mais ampla e reconhecer que a verdadeira injustiça reside na dupla tributação imposta aos contribuintes portugueses.

A Minha Perspetiva
Embora reconheça que a utilização eficaz dos fundos públicos é crucial, temos também de conseguir ver esta situação sob um prisma diferente. Se o objetivo é criticar a utilização de dinheiros públicos, devemos também considerar a injustiça da “dupla tributação” que afeta muitos cidadãos.

Vou apresentar apenas alguns exemplos onde isto acontece, mas acreditem que existem muitos mais, como por exemplo na compra e venda de habitação ou até mesmo a tributação a rendimentos de capital que chega por vezes a uma taxação de 70%. Podem ver mais sobre este último neste artigo.

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A Progressão nos Escalões de IRS
Não vou chamar de “dupla tributação” o imposto progressivo do IRS, mesmo que muitas vezes o efeito pareça o mesmo, mas vou na mesma deixar aqui para o leitor analisar.

Usando as tabelas de 2024, consideremos um trabalhador solteiro sem dependentes que ganhe 1.500€ brutos. Nas tabelas atuais, é tributado em cerca de 13,53%, resultando num pagamento de IRS de aproximadamente 203€. Se o seu salário aumentasse para 1.800€, e fosse mantida a mesma taxa de 13,53%, ele descontaria cerca de 244€, ou seja, ganharia mais e descontaria mais. No entanto, não é isso que acontece. O trabalhador sobe de escalão e passa a ser tributado a 15,72%, descontando então cerca de 283€. Isto resulta numa carga tributária adicional que não é apenas proporcional ao aumento do rendimento, mas que também é exacerbada pelo aumento da taxa aplicada.

A Dupla Tributação nos Impostos sobre o Consumo
Adicionalmente, devemos considerar a carga dos impostos sobre o consumo, como o IVA. Quando um cidadão recebe o seu rendimento, este já foi sujeito a impostos. No entanto, ao gastar esse rendimento em bens e serviços, é novamente tributado através do IVA. Este imposto sobre o consumo representa uma forma de “dupla tributação”, onde o rendimento que já foi tributado uma vez é novamente taxado cada vez que é utilizado para adquirir bens e serviços. Esta sobreposição de impostos afeta desproporcionalmente as famílias de rendimento médio e baixo, que gastam uma maior percentagem dos seus rendimentos em consumo básico.

Não se esqueça também que o dinheiro usado na compra desses bens/serviços vai ser novamente usado para adquirir novos bens e serviços, e assim continuamente.

A Dupla Tributação em Heranças
Um dos exemplos mais flagrantes de “dupla tributação” é o caso das heranças. Quando alguém trabalha e acumula riqueza ao longo da vida, paga impostos sobre os rendimentos auferidos. No entanto, quando essa pessoa falece e os seus bens são transmitidos aos herdeiros, o Estado aplica novamente impostos sobre a herança. Este é um claro exemplo de dupla, ou até tripla, tributação, onde o mesmo dinheiro é taxado duas vezes, primeiro quando é ganho e depois quando é herdado.

Ou seja, quanto mais uma pessoa trabalha e quer providenciar uma vida melhor para si e para os seus descendentes, menos incentivos o Estado lhe dá e mais lhe tira.

A Hipocrisia no Debate sobre Subsídios e Tributação
É essencial que o debate sobre os subsídios públicos seja equilibrado e justo. Criticar os incentivos fiscais para investidores privados sem abordar as questões mais amplas de dupla tributação revela uma abordagem limitada e, em certa medida, hipócrita. Acredito que o verdadeiro caminho para um sistema fiscal mais justo passa pela simplificação dos impostos e pela eliminação de situações onde os mesmos rendimentos são tributados múltiplas vezes.

Conclusão
Embora a crítica do Bloco de Esquerda à “dupla subsidiação” possa levantar questões válidas sobre a eficiência na utilização de fundos públicos, não devemos perder de vista a injustiça sistémica que a “dupla tributação” representa para os cidadãos e empresas. Devemos defender uma abordagem que privilegie a justiça fiscal e que promova um ambiente económico onde tanto o setor público quanto o privado possam prosperar sem sobrecargas desnecessárias. Somente através de uma reforma tributária abrangente e justa poderemos garantir uma economia mais eficiente e próspera para todos os portugueses.