O PS tem um sério horror à liberdade e à independência das entidades reguladoras e parece só conviver bem com essas entidades independentes em duas condições: desde que elas não regulem, nem sejam independentes.

O “furacão” provocado pelo desengonçar da geringonça ofuscou uma frase de António Costa que é paradigmática da conceção que o PS tem das entidades reguladoras independentes e, por conseguinte, do próprio Estado de Direito – e é essa conceção que vai a votos nas legislativas de janeiro.

No Parlamento, António Costa aproveitou o leilão do 5G para se queixar da limitação do poder governativo pelas entidades reguladoras independentes, criticando “quem construiu essa doutrina absolutamente extraordinária, a de que era preciso limitar os poderes dos governos para dar poderes às entidades reguladoras”.

António Costa tentou capitalizar um alegado erro de um regulador para lançar um violentíssimo ataque à regulação independente. E isso faz tanto sentido como demolir a casa porque fundiu uma lâmpada.

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Não se tratou de um ato inocente; bem pelo contrário. É paradigmático dos dois tipos de relações que o PS gosta de ter com as entidades independentes.

O primeiro tipo de relação é o da instrumentalização política com nomeações partidárias. Ou seja, trata-se de afastar vozes incómodas e nomear comissários partidários para instituições que têm como princípio estruturante, justamente, fiscalizar o poder político. No fundo, é pôr as raposas a fiscalizar as galinhas.

Esta voraz conceção socialista de tudo açambarcar ocorre nas palavras, mas pior para todos nós, ocorre nos actos. Vamos a factos, mas é preciso paciência pois a lista é extensa:

  • A transferência de Mário Centeno para o Banco de Portugal;
  • O imbróglio com a nomeação de José Guerra para Procurador Europeu;
  • A não recondução de Joana Marques Vidal na Procuradoria-Geral da República;
  • O afastamento do desprendido Presidente do Tribunal de Contas, Vitor Caldeira;
  • A desqualificação sistemática do Conselho de Finanças Públicas e da UTAO;
  • A indicação de Ana Paula Vitorino – ex-ministra e esposa do ministro Cabrita – para a Autoridade de Mobilidade e dos Transportes;
  • A tentativa de colocar um deputado do PS na Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos;
  • A efetiva colocação de um diretor-geral da Segurança Social, recorrendo ao expediente da comissão de serviço;
  • E, mais recentemente, a tentativa de ingerência e controlo das Ordens Profissionais;

Em face destes exemplos, uma coisa é evidente: não é coincidência; é concertação.

O segundo tipo de relação que o PS tem com as entidades reguladoras independentes é o de estrangulamento financeiro com cativações cegas.

Repare-se que quando se diz que são «independentes» tal significa serem independentes do poder político e dos agentes de mercado, públicos ou privados, pois apenas desse modo podem desempenhar as suas funções de forma livre. Tal requer, obviamente, independência financeira.

É certo que, na teoria, as entidades reguladoras têm autonomia financeira. Mas, na prática, o facto é que o governo socialista acaba a cativar-lhes milhões, não autorizando as despesas previstas. Pior: para o governo, a descativação da verba é como o Natal – acontece sempre em dezembro. Ou seja, quando já não é possível gastá-la.

Este assunto é demasiado sério para ser visto pela ótica da mercearia partidária ou pelo prisma das trincheiras esquerda/direita. O que está em causa é o bom funcionamento da Democracia e os alicerces do próprio Estado de Direito Democrático, pois a falta de independência das entidades reguladoras põe em causa o princípio básico da separação de poderes.

É que, ao contrário do que parece pensar o PS, um regime democrático não se basta com a mera realização periódica de eleições. Ele quer também uma imprensa livre, uma sociedade civil forte e entidades reguladoras independentes.

O desenvolvimento de um país depende, em grande medida, da qualidade das suas instituições. Para tal, é vital que cada instituição possa desempenhar com independência a sua missão.

Evitar a captura das entidades reguladoras pelos interesses – sejam eles socialistas ou outros – é, por isso mesmo, salvaguardar o interesse público.

Infelizmente, o nosso histórico não é positivo. Apesar do mérito do governo PSD/CDS em criar a CRESAP para trazer transparência e merecimento às nomeações na Administração Pública, o certo é que também essa boa intenção acabou por ir parar ao inferno da irrelevância.

A CRESAP está hoje morta, soterrada pela tentacular voracidade socialista de tudo controlar. Paz à sua alma.

Os exemplos acima referidos de atuação do PS em relação às entidades independentes evidenciam bem visão que os socialistas têm do Estado.

O PS entende que, desde as funções de confiança política nos gabinetes até às funções técnicas nas entidades independentes, tudo é espaço socialista e que o Estado serve para servir de colónia às pessoas do PS.

É por isso urgente que o PSD, enquanto partido defensor da liberdade e do mérito, nas próximas legislativas, erga bem alto a bandeira da independência das entidades reguladoras, e diga a todos – sem medos ou exceções – que o Estado existe para ser colocado ao serviço das pessoas, e não as pessoas para serem colocadas a servir-se do Estado.