Desafiado pelo FAE [Fórum de Administradores e Gestores de Empresas] para escrever um pequeno texto sobre como vejo Portugal na fase 2 (reabertura de economia), não sou vidente e procurarei não especular. Apenas umas palavras iniciais sobre a fase 1. Congratulo-me com a liderança e com a forma como esta fase foi abordada, face as limitações do País, quer sanitárias, quer económicas. Não terão sido perfeitas. É navegação (quase) à vista. Mas foi determinada, e, sobretudo (o que não é habitual) com a humildade de ir aprendendo, ouvindo e corrigindo.

Para não especular, vou partir do cenário de que a pandemia, cá, não vai ter um relançamento pós Páscoa, e que os esforços públicos e privados , liderados por tantos que se tem sacrificado por todos, vão conseguir que o sistema sanitário não rompa e que a partir de finais de Maio, inícios de Junho, vamos conseguir relançar progressivamente a “normalidade”, incluindo a económica. Tal vai obrigar a outro tipo de medidas, que infelizmente serão segregacionistas, distinguindo entre as pessoas de risco e os imunizados ou de baixo risco. Acredito mais a curto prazo em tratamentos eficazes do que em vacinas, bom seria que a vacina já estivesse operacional antes do próximo Inverno. E com o 2º grupo teremos de repor as empresas a funcionar.

E centro-me no cenário base do Banco de Portugal (2020 PIB -3,7%; 2021 – 0,7%; 2022 +3,1%) acreditando na grande base de informação de que dispõe e na excelência dos seus técnicos. E afasto cenários de catástrofe, que sabemos ser possíveis, mas esperamos que não prováveis, e sobre os quais não tenho competência para elaborar.

Aqui, temos aspectos muito negativos:

  1. Destruição da capacidade produtiva, parcialmente irremediável (o BP terá assumido o quantum). Interrompendo a tendência de renovação da nossa economia que estava praticamente em pleno emprego, sobretudo nos sectores mais dinâmicos e inovadores.
  2. Paralisação total da componente do Turismo e serviços associados, com grande peso no nosso Produto e Balança de Bens e Serviços.
  3. Economia muito aberta ao exterior e portanto muito dependente do ritmo de recuperação dos nosso principais parceiros comerciais (que obviamente não controlamos).
  4. Elevada perda de confiança dos consumidores, que estarão receosos mesmo depois do domínio da pandemia.
  5. Idem dos investidores, quer vocacionados para o consumo interno, quer para o externo, quer para o on shore. Que tenderão a fazer uma pausa nos seus investimentos. Primeiro esperando retomar os níveis de actividade anteriores. Depois tendo sinais positivos de uma procura que retome o seu crescimento anterior.
  6. Criação (ou alargamento) dos clusters de pobreza (ou quase). Porque esta crise não é simétrica. Quer a nível nacional, quer internacional. Sectores como o das micro empresas, cultura, profissionais liberais, precários, novos desempregados, start ups, etc… não têm capacidade para resistir e relançar.
  7. Empresas que resistiram com as medidas de apoio à 1ª fase, mas acumularam prejuízos e dividas, estarão tecnicamente falidas, sem acesso ao credito e a capital para se renovarem (com grande desmoralização dos seus sócios, gestores e trabalhadores).

Estas situações (e outras aqui não mencionadas) vão ter de merecer programas específicos a que eu chamaria o “pacote da segunda fase”! E, sinceramente, acho que vale a pena! Temos de nos atirar com todas as ganas a isso. Espero (estou certo que sim) que já exista uma equipa na Economia, apoiada pelas Finanças, a fazer o diagnóstico e a preparar esse pacote. Uma equipe distinta da equipa dos “primeiros socorros”. Que só pense nisso. E dentro de um mês tenha tudo preparado, assim como os apoios necessários da UE.

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E temos algumas vantagens competitivas sobre as quais trabalhar:

  1. A qualidade e custo da nossa mão de obra com disponibilidade imediata.
  2. As características do nosso Turismo que pode ser dos primeiros a recuperar: estadias curtas, preço qualidade adequado; gente jovem que esteve “encarcerada” e desejosa de voltar ao convívio. Proximidade e facilidade de acesso e retorno. Substituição dos destinos exóticos que serão prejudicados por um tempo muito mais extenso. Imagem de segurança, nomeadamente pela forma como gerimos a epidemia. Só que para isso ser possível, temos que ser rapidíssimos a reoperacionalizar os acessos; as Câmaras de Lisboa e Porto, inicialmente, e Algarve e Madeira logo que possível, vão ter de andar com a restauração e o comercio “ao colo” apoiando-os mesmo financeiramente para a reabertura. “Interesse Municipal” (já tive oportunidade de trocar impressões sobre isto com o Presidente da CML). Ninguém quer vir recuperar a moral num sítio vazio e sem oferta. E estudar bem o timing de lançamento de uma campanha (que não ofenda os que ainda estarão a passar mal e de luto).
  3. A reconstrução das cadeias de valor! O que está a acontecer obriga a uma gestão de risco diferente. Os grandes operadores industriais vão repensar a suas cadeias. Haverá um movimento on shore para ganhar mais proximidade e controlo sobre o fabrico de componentes críticas. Aí Portugal tem uma excelente oportunidade: excelente know how; uma nova geração bem formada e com custos inferiores a outras alternativas; acessos fáceis; segurança; boa qualidade de vida. Isto obriga a uma acção de promoção especifica. Na altura certa. Com um conhecimento das disponibilidades de capacidade criadas pela crise. E formação! Muita Formação! Não desistindo do programa de atracção de qualificados extra comunitários. Isto se queremos no final de 2022 estar outra vez no limite do nosso Produto Potencial.

Uma palavra final sobre a Europa: creio que todos, cá e nas diferentes geografias, acreditam que haver um apoio coordenado, forte, desburocratizado (tremo quando falam no BEI como veículo!), rápido, e não discriminatório, vai ser essencial para a salvação da Europa como espaço de progresso e Paz. A alternativa traria a todos consequências ainda mais graves que o vírus.

Lisboa, 5 de Abril 2020