Se em numerosos textos publicados sobre a pandemia do coronavírus substituirmos o nome da China pelo da União Soviética, ficaremos com a impressão de que o tipo de propaganda utilizado pelos comunistas nada traz de original. Clara falta de criatividade.
Quando a União Soviética invadiu a Checoslováquia em 1968, as autoridades comunistas soviéticas apressaram-se a receber e a utilizar o apoio dos partidos comunistas de todo o mundo para combater a “onda de calunias do imperialismo”.
O Partido Comunista Português esteve na linha da frente na defesa da intervenção armada que esmagou a revolta democrática checoslovaca. Aliás, e continua até hoje a dar provas de consequência, embora de uma forma retocada. Albano Nunes, membro do Comité Central do PCP, escrevia na revista “O Militante” de Nov./Dez. de 2018: “A posição assumida pelo PCP face aos acontecimentos de Agosto de 1968, com base na informação então disponível, foi determinada pela sua posição de princípio em defesa do socialismo contra as ingerências e agressões do imperialismo e em defesa da Paz na Europa e no mundo. Uma posição que, expressando preocupação pelo desenvolvimento de forças anti-socialistas e a crescente intervenção imperialista nos assuntos internos da Checoslováquia, nunca pôs em causa o princípio de serem os trabalhadores e os comunistas checos e eslovacos a definir o caminho para o desenvolvimento do seu próprio país”.
Vem isto a propósito da campanha de branqueamento desencadeada actualmente pelo Partido Comunista da China a propósito da pandemia do coronavírus. Entre as várias iniciativas está a “Carta aberta conjunta de partidos políticos do Mundo sobre uma cooperação internacional mais estreita contra a Covid-19, promovida pelo Partido Comunista da China”, que o PCP subscreveu imediatamente.
Não obstante ser do conhecimento geral que os dirigentes comunistas chineses enganaram, no início da epidemia, o mundo ao esconderem as verdadeiras causas e dimensões do alastramento do coronavírus e ao perseguirem os médicos que denunciaram publicamente a situação, na dita carta escreve-se: “Constatando o «progresso significativo na prevenção e controlo da epidemia na China e em alguns outros países, que ganharam tempo e ofereceram experiências para a restante comunidade internacional», os partidos subscritores saúdam vivamente «os países, incluindo a China, que adoptam uma atitude aberta, transparente e responsável, divulgando prontamente informações relacionadas com a epidemia, partilhando a sua experiência em matéria de resposta à epidemia e tratamento de doentes e, em particular, fornecendo, na medida das suas possibilidades, bens médicos e outro material, aos demais países afectados», considerando que esta atitude constitui «uma grande contribuição para a luta global contra a epidemia, que aumenta a esperança e a confiança dos países na vitória nesta batalha.»
Comentários para quê?
O Partido Comunista Português continua a seguir à linha a “orientação soviética” das teorias da conspiração: “Fingindo ignorar as interrogações que se colocam sobre as origens do vírus e as análises daqueles que, incluindo nos próprios EUA, colocam a possibilidade da Covid-19 ter surgido inicialmente neste país, Mike Pompeo — secretário de Estado norte-americano e antigo director da CIA –, doutrina aos servis e aos incautos do mundo que o Partido Comunista da China é a «ameaça número um dos nossos tempos»”.
Como não recordar aqui a tese soviética, lançada pelo KGB, serviços secretos da URSS chefiados por Iúri Andropov, sobre o fabrico do vírus da SIDA pela CIA norte-americana?
Na minha opinião publicada no Observador na semana passada, analisei a questão da tão falada “ajuda humanitária” enviada pela Rússia aos Estados Unidos. A diplomacia russa anunciou ao mundo que se tratava de apoio humanitário financiado totalmente pela Rússia, mas veio a saber-se que o material médico que chegou de avião a Nova Iorque foi pago a meias, mas o jornal “Avante” continua a apresentar este exemplo como mais um “bom gesto” exclusivamente da Rússia.
Já dizia António Aleixo, poeta popular lembrado por Albano Nunes no artigo acima citado: «A mentira para ser segura e atingir profundidade tem de trazer à mistura qualquer coisa de verdade». Isto encaixa-se idealmente na propaganda comunista.
E claro que, no semanário “Avante”, não poderia faltar o “Sol da Terra” e o “futuro radioso”, transportados agora da URSS para o Império do Meio: “O mundo tem os olhos postos na China. A sua capacidade para ultrapassar dificuldades criadas pelo surto da COVID-19 à sua economia é da maior importância, não só para o povo chinês – com a concretização dos objectivos de desenvolvimento apontados pelo Partido Comunista da China e o Governo chinês –, mas também para a economia mundial. Reconhecer, como a Organização Mundial de Saúde reconheceu, o papel decisivo da República Popular da China para combater e derrotar o surto epidémico, e desenvolver acções de solidariedade e cooperação no plano internacional – incluindo com Portugal – é da mais elementar seriedade e justiça.”
No respeitante ao papel da Organização Mundial de Saúde durante toda a crise, ele deverá ser atentamente analisado, mas depois da vitória sobre a pandemia.
Nesta situação, é de lamentar o facto de numerosos líderes europeus e norte-americanos não estarem à altura dos desafios que a pandemia lançou. Têm sido cometidos erros graves, a falta de coordenação e de solidariedade é gritante.
Mas há uma diferença fundamental entre a China comunista, por um lado, e a União Europeia e os Estados Unidos, por outro. Aos chineses é negada a mínima oportunidade de pedir responsabilidades aos seus dirigentes ou de exigir mudanças num sistema que colocou a humanidade em perigo, enquanto que isso é possível na UE e nos EUA, desde que os cidadãos assim o queiram e não façam quarentena nos dias das eleições.