Passaram 3 anos desde a eleição deste governo. Alguém ainda se lembra do que então se dizia? A direita tinha uma maioria, um governo, um presidente. E tinha Durão Barroso em Bruxelas e ainda o Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF) como pretexto para impor o seu programa. A esquerda preparava-se para o pior – não tinha como travar a direita. O ajustamento anunciava-se impiedoso: dois terços através de cortes na despesa, um terço por via da receita. E o país preparava-se para a mudança.

Em 2011, o futuro imaginava-se assim. Em 2014, o presente é bem diferente. Os receios da esquerda são uma memória longínqua. E a mudança não chegou. Para além do cumprimento do PAEF, pouco foi feito em termos de mudanças estruturais (isto é, que não venham a ser invertidas por um governo de esquerda a médio prazo). O que travou o ímpeto reformista? Em parte, o Tribunal Constitucional (TC), que se assegurou que, com ou sem direita no poder, se continuava a abrir caminho para uma sociedade socialista – não se mexe nos desequilíbrios estruturais da segurança social, não se corta na despesa do Estado, não se limita o aumento de impostos. Mas, reconheçamos, o bloqueio constitucional não explica tudo. Houve erros e bloqueios igualmente significativos.

Quando foi eleito, este Governo aceitou três principais missões – cumprir o PAEF com sucesso; equilibrar as contas públicas para prevenir futuros programas de assistência; e levar a cabo uma reforma do Estado. As três são fundamentais, mas a pressão dos credores e dos mercados impôs a urgência das duas primeiras, que prevaleceram nas prioridades sobre a terceira. A primeira falha foi essa, a da hierarquização das prioridades – as três eram igualmente importantes. Hoje, apesar do TC, o programa de assistência está concluído e o equilíbrio das contas públicas está, lentamente, a ser reposto. A reforma do estado? Ficou na prateleira, para depois – e depois é tarde demais.

Pior do que ficar para depois, a reforma do Estado nunca teve por base um verdadeiro compromisso político. Entre 2012 e 2013, a sua elaboração foi sucessivamente adiada. E, após a crise política do Verão de 2013, a reforma do Estado ficou definitivamente reduzida a mais uma peça do equilíbrio de forças entre Passos e Portas. Quando publicado, e independentemente das suas boas ou más ideias, o documento foi recebido como tendo um único autor, e não como representativo do Governo. A consequência era inevitável: após 3 anos de mandato, o governo ainda não tem uma percepção concreta do que é a sua reforma do estado. Ela existe em versões diferentes nos discursos e no papel – só não existe na realidade.

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Um exemplo dessa pluralidade de versões ocorreu na semana passada, quando o ministro Poiares Maduro anunciou uma medida que qualificou de “verdadeira reforma do Estado”. No fundo, trata-se de criar, em todos os concelhos, uma loja do cidadão que junte Segurança Social, Emprego, Finanças, registos e notariados, entre outros serviços. A medida até pode ser boa, mas certamente não é uma reforma do Estado. Se fosse, quase tudo o que o governo fez nestes três anos também o seria. Fecham-se escolas com menos de 21 alunos? É a reforma do Estado. Renegoceiam-se as PPP? É a reforma do Estado. Encerra-se a Maternidade Alfredo da Costa? É a reforma do Estado.

A contradição é óbvia: se tudo é reformar o Estado, nada é reformar o Estado. Só que, mesmo óbvia, a contradição aparece com frequência em discursos de ministros, que insistem em elevar medidas sectoriais a pequenas peças da reforma do Estado. E já são tantas as peças que Poiares Maduro, para distinguir a sua medida do amontoado, qualificou-a de “verdadeira” reforma do Estado. As outras não o eram?

Há que reconhecer o mérito do Governo no cumprimento do PAEF. Sendo o terceiro resgate financeiro da nossa democracia, este foi o primeiro com a moeda única e trouxe, portanto, desafios mais exigentes do que os do passado. Mas reconheçamos também o seguinte: o cumprimento do PAEF seria exigido a qualquer governo, mesmo se liderado pelo PS. A reforma do Estado é que não. Só este Governo a poderia levar a cabo. E é imperdoável que, por falta de compromisso político, isso não aconteça.