Não será bem o que possa estar a pensar, mas também. Não estamos sozinhos e podemos estar bem ou mal acompanhados! Somos mais microrganismos que humanos!

Temos mais células e mais genes de origem microbiana do que de origem humana e hoje sabemos o papel que estes microrganismos – a maioria no intestino – desempenham na saúde. Como há uns mais benéficos que outros para a obesidade, quando estamos mal acompanhados podemos ter mais prioridade metabólica para acumular gordura, mesmo quando comemos o mesmo ou menos do que noutros tempos.

Muitas das explicações podem ser encontradas no nosso intestino, mais concretamente no microbiota intestinal (flora intestinal). Como? Os microrganismos interagem com as células do intestino, enviando sinais de saciedade, seja para o tecido adiposo se fechar à entrada de mais gordura, ou para o cérebro, para que seja reconhecida a chegada de alimentos.

Mas esta não é uma doença com uma história igual em todos os doentes. Os doentes com obesidade apresentam disfunções múltiplas. Temos doentes cujos mecanismos de saciedade estarão mais comprometidos, outros cujo papel da inflamação crónica de baixo grau e resistência à insulina poderá ser o maior problema, outros ainda em que a absorção de lípidos e/ou a acumulação de lípidos no tecido adiposo são a prioridade metabólica.

A verdade é que só uma abordagem clínica capaz de integrar os fatores genéticos e ambientais – com o microbiota intestinal na equação – poderá dar uma resposta mais personalizada e efetiva. Sabemos que, no tratamento da obesidade, devemos sempre rever e alterar, quando necessário, os estilos de vida, embora possamos contar com a eficácia da cirurgia bariátrica, ou com os avanços da terapêutica farmacológica.

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Desde 2004 que temos tido avanços na investigação entre o microbiota intestinal e a obesidade. Sabemos que o microbiota de indivíduos com obesidade apresenta alterações. Estas alterações, a que chamamos disbiose (desequilíbrio do microbiota), têm impacto na saciedade, na síntese/degradação de gordura, na formação de novas células adiposas, na absorção intestinal de gordura, na termogénese (perda de energia na forma de calor), etc.

A produção, pelo microbiota intestinal, de ácidos gordos de cadeia curta regula o apetite. Ainda sobre a saciedade, sabemos que doentes com anorexia nervosa apresentam níveis elevados da proteína ClpB e que pessoas com excesso de peso, ou com obesidade, apresentam níveis mais reduzidos. Hoje sabe-se que a ClpB, produzida por bactérias intestinais, tem um papel chave na saciedade, reduzindo o apetite. Além disso, é responsável por aumentar a degradação das gorduras durante o exercício físico. Em estudos pré-clínicos e clínicos o probiótico Hafnia alvei, capaz de sintetizar a ClpB tem mostrado efeitos na perda de peso. Também foi encontrado um papel relevante da bactéria Akkermansia muciniphila na perda de peso em estudos pré-clínicos.

Sabemos ainda que bactérias intestinais em interação com as células do epitélio intestinal, sobretudo em jejum, levam à síntese de FIAF (fator inibitório adipocitário do jejum) que atua no tecido adiposo, mais especificamente inibindo uma enzima responsável pela entrada de lípidos nas células do tecido adiposo.  Se esta interação falhar, teremos uma prioridade para a acumulação de gordura, mesmo durante o jejum!

Também sabemos que alterações de ritmo circadiano, cronobiologia (relógios biológicos), sobretudo em fenómenos de jet lag ou nos trabalhadores por turnos, causam alterações na composição do microbiota, com consequências para a adiposidade.

Por todas estas razões, devemos cuidar do microbiota intestinal. Cuidar dos outros fatores de estilo de vida como a alimentação, a gestão de stresse, o exercício físico, o sono, são muito relevantes e terão o seu contributo na prevenção da obesidade e no sucesso das terapêuticas da obesidade.