Elogiar a Lusofonia é politicamente correto. Fá-lo qualquer intelectual português de forma automática. Delira em dissertações sobre o Português em Timor Leste. Medita sobre a sobrevivência de vocábulos e apelidos portugueses na Malásia (Malaca). Estremece com a referência a goeses que ainda sabem algo da língua de Camões. Ainda se deleitará com placas toponímicas com apelidos portugueses no SriLanka (Ceilão).

Se tiver alguma coragem, referirá as afinidades entre o Português e o Galego. Se não falar duma língua única com dois dialetos, falará duma origem comum ou duma alma comum. Mas… nada de confusões políticas. A Galiza tem de ser tratada sem compromissos!

Poderá referir ruas de cidades dos Estados Unidos ou da Inglaterra onde se fala algum Português. Ou de vestígios de lusismos no Uruguay. Fica tão bem a um homem de cultura, consagrado, falar destas coisas!! Afinal, ele não é uma pessoas qualquer. É a elite moderna de Portugal, aberto, europeu, obediente a regras internacionais, algo crítica (talvez) em relação aos mercados desregulados que estão a destruir o mundo e até uma determinada ideia de Europa, mas… sem tocar em assuntos mais polémicos! Fica mal. Uma elite assim é assética. Gosta de receber prémios… ou de ler opiniões em que se diz que, se ainda os não recebeu, esse dia chegará!

Enchem-se páginas de fino recorte literário, como soe dizer-se, com dissertações sobre palavras soltas, almas, recordações lusitanas um pouco por toda a parte. Bonito, tudo isto. É História! É “chique”! Fica mesmo bem!! É uma cultura que “já deu quase tudo o que tinha a dar” (passe a vulgaridade), e que importa realçar. Afinal, ela até tem aspetos interessantes.

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Mas, por favor, não se fale de Olivença. Muito menos da recuperação, por locais, de valores culturais e linguísticos (caso de 73 topónimos) portugueses para “aquelas bandas”! E uma Associação autóctone, já dissolvida (“Além Guadiana”, 2008-2019), incentivou a aquisição da nacionalidade portuguesa entre os locais (para além da promoção de tradições portuguesas em geral). E não param de aumentar os números de oliventinos com a nacionalidade portuguesa, já com direito a voto. Já são quase dois mil!

Desfaçatez suprema! Ao fim de duzentos anos, tal tipo de eventos assusta! Como é possível ressurgir uma cultura que foi duzentos anos reprimida? E logo… cultura portuguesa e alentejana? Que heresia!

Falar duma ação colonial intensiva e repressiva ao pé da porta é incómodo, ou mesmo loucura. A Espanha moderna não é capaz de isso. E ensinar só História de Espanha nas escolas de Olivença (com algumas exceções de um ou dois professores, mas sempre fora do programa oficial) é natural, mesmo se essa História não é, nem pode nunca vir a ser, a verdadeira História do passado de Olivença. E contra isto quase ninguém fala, à direita ou à esquerda. Neste caso, a esquerda, de que faço parte, parece esquecer a sua vocação para libertar a humanidade da ignorância e do colonialismo, enquanto a direita esquece a sua vocação patriótica!

Não podemos esquecer que Olivença, em Espanha, está certamente mais desenvolvida. Ou não? Segundo uma História da Extremadura (espanhola), de um tal   Marcelino Cardalliaguet Quirant  (1993/94), e citando, «En 1801, el território extremeño se veria repentinamente aumentado con la importante ciudad de Olivenza – entonces tan grande y poblada como Badajoz –, conquistada a Portugal en la llamada Guerra de las Naranjas por el próprio Godoy(…)» .

Parece que afinal Olivença já teve comparativamente um peso maior. E, pasme-se, quando era ainda portuguesa.

A Câmara local, bem como a de Táliga, antiga aldeia de Olivença autonomizada em 1850, estão mesmo a envidar alguns esforços para salvar o que de Português ainda subsiste na fala do dia-a-dia. E, na verdade, ainda há quem fale português. E algumas palavras parecem resistir ao mais intenso espanholismo! Em Olivença, celebra-se mesmo, de forma independente, o Dia de Portugal, desde há sete anos. Neste caso, a imprensa, informada, nada diz. São os intelectuais que o impedem?

Voltando à intelectualidade em geral, e ao seu silêncio sobre Olivença, ainda se as palavras em Português fossem faladas em Ormuz, ou nas Ilhas Hawai, ou entre indonésios descendentes de portugueses. Tudo bem! Mas em Olivença?

As elites não gostam de surpresas destas. Calam. Silenciam. Para que ninguém saiba.

De vez em quando, há um grito no vazio. Como o de Jorge Miranda, em Braga, em 10 de junho de 2022. Vale a pena citar: :«[…] Dia de Portugal, Portugal com território historicamente delimitado no Continente Europeu, como se  lê no artigo 6.º da Constituição, para incluir Olivença e os arquipélagos Atlânticos dos Açores e da Madeira […]»

Infelizmente, tal tipo de apelos à memória são uma exceção. E em quase nenhum jornal são reproduzidos.

Serão mesmo elites, estas, que normalmente calam tudo o que diz respeito a um pedaço de lusofonia? São, mas não no sentido de verdadeiros críticos e inovadores. São mais um verniz educado de gente que no fundo está mergulhada em preconceitos.