Sabemos diagnosticar, sabemos tratar, sabemos a sua colossal prevalência e incidência, e ainda assim falhamos com vigor. Onde devíamos somar sucesso, subtraímo-lo em quebras.

O osteoporose é a doença óssea metabólica mais comum no adulto, mas o seu perfil silente distrai-nos a todos, fracturando no osso também a nossa diligência. Daí que mediaticamente tenha sido já descrita como um assassino silencioso. A International Osteoporosis Foundation, entidade áurea para a investigação e difusão científica no âmbito da osteoporose, reconhece uma fractura osteoporótica a cada três segundos, consolidando esta doença como a quarta maior causa de morbilidade crónica na Europa. Um estudo português, numa colaboração entre Medicina Geral e Familiar e Reumatologia, encontrou no período de 2020 a 2022, um total de 48532 fracturas de fragilidade do fémur e concluiu que o seu adequado e subsequente tratamento anti-osteoporótico (que difere do cirúrgico/conservador imediato da dita fractura) ocorreu para apenas 7391 delas: uma encolhida mancha percentual de 15.2%.

A osteoporose agrega a perda de quantidade óssea à sua deterioração microarquitectoral qualitativa, induzindo um estado de rarefacção óssea tal que este mais facilmente quebra. Uma fractura de fragilidade é fruto de um fraco osso que não consegue absorver estímulos que não deveriam incorrer em risco ósseo. Em casos extremos, podem inclusive despertar fracturas espontâneas. A sintomatologia que deste quadro de “défice” ósseo advém é absolutamente muda. Não dá dor, deformidade ou sussurra qualquer aviso, pairando fantasmagórica na idade em crescendo, só se manifestando no grito do estalo ósseo, fracturante, e complicações que daí podem surgir.

O que nos está a falhar, antes de falhar o osso? A ratoeira diagnóstica (com ênfase na densitometria óssea e na ferramenta virtual FRAX para o cálculo de risco de fractura a 10 anos) é suficientemente hábil para identificar uma osteoporose; a estratégia terapêutica, em progressiva evolução, é eficiente o suficiente para capturar a doença aos primeiros e essenciais passos de tratamento; a identificação teórica do doente de risco está actualizada (falamos de idosos, estados pós-menopáusicos, pessoas com maior risco de queda devido a, por exemplo, défices audiovisuais, etc). Como se consegue, então, com tão competentes alicerces, deixar ruir esta patologia para o seu estádio mais abjecto?

A resposta não é científica, pelo menos não na sua mais viril e pura forma. É, talvez, mais social e política do que temos antevisto ou se reconhece nos meios sociais. Para além da muito tímida taxa de tratamento daqueles já sofridos de uma fractura de fragilidade, acrescem-se dois problemas: 1) a pobre adesão ao tratamento (sobretudo os de toma oral), filiada a alguns possíveis efeitos laterais, à necessária longevidade desse tratamento e à pouca compreensão quanto ao seu propósito, dado não oferecer nenhum incremento palpável (sublinhe-se) de saúde ou amolecer qualquer tipo de sintomatologia – é, de facto, uma terapêutica preventiva e restituidora da saúde óssea basal ou o mais próxima possível da da pessoa que determinado indivíduo foi na sua juventude; 2) a assombrosa figura de todos aqueles que, ainda não tendo fracturado, se encaminham para tal, merecendo desde então adequado tratamento. Existe, verdadeiramente, um monstro para além do monstro.

A população em risco para fractura é, como de David para Golias, bruscamente superior, sendo esse o nosso alvo ideal, não só para evitar uma primeira fractura mas também porque se reconhece um risco acrescido de reincidência após essa primeira fractura. Daí que, citando o Dr. José Canas da Silva, e aplicando a gíria suburbana anglo-saxónica, muito bem se vista este conceito com a expressão “mind the gap“. Este fosso, entre o risco ósseo (detectável) e a fractura (evitável), forma o “gap” no qual deveríamos incidir os nossos esforços, e que se adensa negro na obscuridade do desconhecido. A evolução científica é sempre capital, fulgurando os pilares maestros do diagnóstico e tratamento, mas a acendalha política e social necessita de um revigorado fôlego. As estratégias de awareness com alvo bilateral (público geral e facção médica) imperam tenacidade, e talvez na discussão proporcional à dimensão do problema se encontre a medida forçosa para o despoletar do fermento político que irá reestruturar a organização de saúde numa mais convincente e profícua campanha de combate a este que é um dos principais problemas de saúde pública da actualidade. A conceptualização “mind the gap” silhuetada à esfinge da massa populacional osteoporótica ainda inocente de fractura, pode reencarnar algum do fulgor propagandístico de que esta patologia necessita.

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