Existem arritmias fatais desencadeadas por um fluxo rápido de adrenalina – felizmente são situações raras. Temos também a síndrome de Takotsubo ou de “coração partido” – com uma relação não linear com as emoções e pouco frequente. E existe o mais comum enfarte agudo do miocárdio, que todos os anos é fatal para cerca de 4 mil portugueses.

A primeira descrição de um enfarte do miocárdio está, curiosamente, ligada ao amor. Numa história muito presente na cultura persa e árabe desde o século VII, o poeta Qais ibn Al-Mulawah é encontrado sem vida após a notícia da morte de um amor proibido. Nas suas vestes está o último poema, com os versos a descrever a sintomatologia do enfarte agudo do miocárdio – uma sensação de aperto no peito, intensa, como se uma ave estivesse a esmagar o coração com as suas garras. Acrescento que se essa sensação de aperto súbito tiver a duração de mais de 10 minutos e for acompanhada de suores, falta de ar, náuseas ou vómitos, então estamos perante a apresentação típica de um enfarte, o que deve motivar de imediato um pedido de ajuda médica através dos serviços de urgência ou, preferencialmente, contactando o INEM.

Mas que mal do coração é este enfarte agudo do miocárdio? Desde os egípcios que muitas culturas identificam o coração como o centro das emoções, mas a verdade é que é sobretudo composto por um músculo, o miocárdio, que ao contrair milhares de vezes por dia bombeia o sangue que alimenta as células dos nossos órgãos. Este trabalho constante do músculo miocárdio faz com que ele próprio tenha grandes necessidades de oxigénio e de energia. As suas células musculares são alimentadas pelo sangue que circula através dos canais de irrigação do coração – as artérias coronárias. O enfarte agudo do miocárdio acontece quando uma das artérias coronárias fica subitamente ocluída, ou entupida, em linguagem vulgar. Não passando sangue para alimentar a parte do músculo cardíaco envolvido, as células do miocárdio começam a sofrer e a morrer. Tal como no socorro a uma vítima de afogamento, existe um intervalo de tempo em que é possível salvá-la, mas para lá do qual pouco há a fazer. Para muitos doentes, esta janela de salvamento do miocárdio é de poucas horas, resultando na necessidade de reconhecimento dos sintomas, do contacto rápido com o INEM e da ativação atempada da ajuda médica.

Entre 2007 e 2020, a mortalidade do enfarte agudo do miocárdio teve uma redução de 36% no nosso país. Um dos grandes contributos para este sucesso veio da Via Verde Coronária. Equipas de profissionais de saúde, lideradas pelos cardiologistas de intervenção, estão permanentemente prontas a acudir às vítimas de enfarte. Estas equipas tentam desobstruir a artéria coronária culpada, através de um cateterismo cardíaco. Com o retomar da circulação do sangue na artéria coronária, as células do músculo cardíaco que ainda não morreram são salvas e a perda de músculo cardíaco é limitada. Quanto mais rápido for retomada a circulação coronária, mais músculo se salva, daí a expressão “tempo é miocárdio”.

Hoje é o Dia Nacional do Doente Coronário e o Dia dos Namorados. Não posso deixar que o amor seja apontado como culpado do enfarte do miocárdio. A grande culpada é a doença coronária aterosclerótica, ou seja, a acumulação de placas de gordura que entopem as coronárias, com a sua formação a ser promovida pelos fatores de risco cardiovascular já bem conhecidos: o tabagismo, a diabetes, a hipertensão arterial, o sedentarismo. As emoções podem ser o gatilho para o início de um enfarte – que iria acontecer de qualquer forma pois a doença já lá estava – mas não são a sua causa.

Antes pelo contrário. São vários os estudos que apontam que ter alguém que amamos contribui para uma melhor saúde cardíaca, seja pela redução da tensão arterial e do stress, seja por facilitar a adoção de estilos de vida saudáveis ou ainda pelo apoio na doença e suporte no tratamento. No final são os poetas que melhor resumem o que é importante na vida e, como escreveu Neruda, “Morre lentamente, quem evita uma paixão…”.

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