Mais mudanças virão certamente na próxima década e, à semelhança dos últimos dez anos, as maiores provavelmente virão de onde menos esperamos. Daí a importância de falharmos menos na parte que supostamente controlamos.

Pensando em Portugal, os desafios para a próxima década parecem-me estar mais na esfera do fazer do que do pensar.

No meu optimismo, vejo Portugal mais forte e atractivo do que a generalidade das pessoas. Confunde-se muito e demasiadas vezes cultura nacional, pessoas, economia e território com política partidária nacional. As ideologias e as agendas dos media sobrepõem-se abundantemente à análise crítica dos cidadãos sobre as suas próprias vidas e escolhas. Muito do que geralmente ouço de negativo sobre Portugal existe também noutros países onde já vivi e também lá acham que outros países são melhores. Em Portugal, e um pouco por todo o lado, esta insatisfação connosco próprios, este desfasamento entre a nossa percepção da realidade e a múltiplas realidades políticas, económicas e sociais, tem alimentado extremismos e desgastado as democracias.

Assim, devemos focar em fazer melhor em áreas críticas para o nosso desenvolvimento, como indivíduos, como famílias, como comunidades, como país.

Gostaria que na próxima década falássemos menos de política e sobretudo de políticos, e mais de pessoas. Que olhássemos para cada um de nós enquanto parte relevante de um todo, que nos comportássemos com a dignidade, empatia, solidariedade, entrega, alegria e amor que exigimos aos outros.

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Gostaria que na próxima década os media, tradicionais e digitais, fossem um pilar mais forte da democracia, focando-se no seu papel essencial, que é o de escrutinar com factualidade e conhecimento a acção de todos os membros da sociedade, a começar pela dos mais poderosos, e não esquecendo que a credibilização da acção política contribui para a saúde da democracia.

Gostaria que nos próximos anos conseguíssemos reequilibrar o poder de compra da classe média, resolvendo o grave problema do acesso à habitação nas cidades, controlando o impacto da inflação e do turismo, aumentando os vencimentos pela qualificação e produtividade e abrindo o potencial do interior do país investindo no seu acesso e desenvolvimento sustentado. Daqui que considero mais estruturante e prioritário o investimento na ferrovia de alta velocidade do que no novo aeroporto de Lisboa.

Gostaria que déssemos passos decisivos na nossa independência alimentar e energética, assim como na resiliência às alterações climáticas. Precisamos de assegurar a eficiência no consumo de água e a sua disponibilidade regular no Sul do país, desenvolver uma agricultura de maior qualidade, mais diversa, integrada, limpa e humanizada. O excesso de intensificação, estandardização e financeirização da agricultura no Alentejo é alarmante e continuará a ter impactos ambientais, territoriais e sociais negativos.

Precisamos de cuidar das nossas florestas, limitando o negócio dos eucaliptos e pinheiros, plantando florestas autóctones e resilientes. Devemos investir na eficiência energética e nas energias ambientalmente limpas, construindo independência no abastecimento, o que significa também desmonopolizar ou aumentar a regulação do sector da energia.

Gostaria que construíssemos uma economia mais industrializada, mas à nossa escala e limpa, mais orientada para o Valor Acrescentado Bruto do que para o Produto Interno Bruto, focada nos sectores onde somos competitivos e no desenvolvimento dos projectos estratégicos para o país. Fizemos avanços positivos na qualificação das gerações mais jovens construindo um potencial geracional que agora começará também a contribuir com criatividade, conhecimento e energia, mas apenas se encontrarem boas condições e oportunidades de vida em Portugal.

Preocupa-me a dependência e excesso de foco no turismo que, como noutros países, acaba por descaracterizar o território, em especial as cidades, piorar a qualidade de vida de quem lá vive e “adormecer” o impulso empresarial noutros sectores. Na Suíça e a Áustria o turismo representa 5% do PIB. Em Portugal vamos em 13%. Devemos focar em quem queira conhecer a nossa cultura e território, deixando o turismo de massas para outros.

Gostaria que, daqui a uma década, a cultura portuguesa estivesse mais viva. Se a cultura for a expressão da identidade de uma nação, então Portugal tem uma crise de identidade, o que é expectável considerando as alterações profundas dos últimos cem anos, da ditadura fascista à democracia, a integração europeia, a globalização, da abundância económica às falências do estado, do “lixo” à fama. É muito para processar em pouco tempo. A revitalização da cultura e da educação parecem-me importantíssimos para arrumarmos este passado e conhecermo-nos melhor enquanto nação. Aprender com os outros, mas acabar com o sentimento de inferioridade. A cultura aproxima-nos e leva-nos a ir mais longe na nossa capacidade individual e colectiva de criar.

Gostaria que a integração europeia se intensificasse e os limites da União Europeia se alargassem. Uma Europa mais forte, coesa, diversa, inclusiva e respeitante da identidade e independência de cada estado-membro, contribuindo para a paz e para a luta contra as alterações climáticas. Neste plano parece-me relevante um maior equilíbrio do poder de compra dos cidadãos dos vários estados-membros, a harmonização fiscal e um papel mais dinâmico na NATO.

Gostaria que afinal os meus filhos tivessem razão e a tecnologia estivesse mesmo ao serviço das pessoas e não o contrário. Eu sei… optimismo.

João Roquette é licenciado em Gestão e Administração de Empresas. Passou pela banca de investimento e e pela edição (e autoria) musical antes de se dedicar ao negócio da família na produção de vinho e azeite. CEO da Esporão desde 2006, foi eleito em 2018 Personalidade do Ano pela Revista de Vinhos. É membro do Clube dos 52, uma iniciativa no âmbito do décimo aniversário do Observador, na qual desafiamos 52 personalidades da sociedade portuguesa a refletir sobre o futuro de Portugal e o país que podemos ambicionar na próxima década.