“O pior cego é o que não quer ver”, felizmente que a língua portuguesa possui expressões completamente elucidativas das ações funestas com as quais nos deparamos diariamente.

O problema do rejuvenescimento da classe docente já era, muito antes da pandemia começar, um problema preocupante. Como outros vários assuntos, a pandemia apenas veio trazer à luz aquilo para que os mais atentos já tinham tentado alertar mas, como já é costume, foram ignorados, silenciados ou até mesmo “comprados”.

Quando se fala apenas de um cenário de falta de docentes a partir do ano-letivo de 2023/2024, demonstra-se uma completa falta de noção da realidade atual. Os estudos feitos pelo Ministério da Educação acerca do que poderá acontecer à classe docente do país saltam um ponto talvez dos mais importantes, e esse ponto passa por perceber a razão pela qual os jovens já não têm interesse na área do ensino.

Como é apresentado na legenda de uma notícia Jornal Público do dia 5 de Janeiro de 2022 “O número de estudantes inscritos em cursos superiores de Educação caiu cerca de 70% desde o início do século.”, sendo que este acontecimento é justificado da forma mais simples e vaga possível: “A profissão não é atractiva para os jovens. Enquanto assim for, não vamos resolver o problema”.

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Para entender esta tendência alarmante temos de olhar atentamente para a forma como os professores, ou jovens formados para esta área, são apresentados ao mundo do trabalho.

Olhando para as condições financeiras que um jovem professor aufere talvez se encontrem justificações mais do que suficientes para entender o porquê de se perder o interesse. Com salários baixíssimos, sem qualquer respeito por uma das mais importantes profissões do nosso país, uma profissão que vai muito além do horário que cada um recebe, em que se perdem horas da vida pessoal em troca de absolutamente nada, onde, ao contrário do que é apresentado publicamente, o salário da maior parte dos professores não chega aos 1300 euros brutos por mês, antes dos descontos, em que as suas carreiras estão congeladas e, apesar das inúmeras formações que são obrigados a fazer, nada muda. Com este panorama, e mesmo não sendo de todo justo ou apelativo, muitos jovens ainda tentam sair para este mercado de trabalho, precisando de estudar cerca de dezassete anos, com todos os custos inerentes a isso, para no fim acabarem a trabalhar em caixas de supermercado, não querendo menosprezar esta categoria profissional. Mas, para quem estuda e investe o seu tempo e dinheiro durante duas gerações é desmotivador. Para além disto, um professor ao longo da sua carreira vê-se obrigado a mudar de habitação uma vez por ano, fazer quilómetros e quilómetros para dar aulas, sem qualquer apoio estatal, causando para além dos gastos financeiros um enorme desgaste físico e mental, altamente prejudicial para o exercício da sua profissão com todo o rigor e paixão, sempre tendo em sua mente a automotivação e a motivação dos seus alunos.

Que consequências isto traz ao país? Primeiramente um aumento de emigração jovem para países onde o trabalho como professor é devidamente respeitado. Se pegarmos, por exemplo, num país como a Escócia, um professor em início de carreira recebe cerca de 6522,5 £, que convertidos para euros dá cerca de 7802 euros, bastante diferente do que acontece no nosso país. Mesmo atendendo ao nosso baixo custo de vida, a discrepância é muito grande. Para acrescentar a este já grave problema, podemos falar dos milhares de alunos que ficam com o percurso escolar condicionado por não existirem professores. No presente ano letivo estima-se que cerca de 10 mil alunos ficaram sem aulas devido à ausência de professores. Sendo isto números simpáticos face à crua realidade, e sendo que a sociedade humana funciona em sistema de bola-de-neve, este caso não é indiferente. Falta de professores conduz a alunos mal preparados, que por sua vez conduz a menos professores e cada vez menos docentes bem preparados. O resultado final deste processo só pode ser catastrófico.

Pensar neste problema a médio-prazo, como é proposto pelo Ministério da Educação, é adiar a resolução de um problema que tem de ser resolvido “ontem”. É permitir que a situação ainda piore mais, que os professores ainda tenham menos condições e que os jovens tenham cada vez menos futuro.

Olhar para Portugal e falar de evolução financeira e social sem dar à educação o valor que ela realmente merece é no mínimo irónico e surreal.

De forma a terminar, deixar apenas um apontamento: já decorreram alguns debates televisivos entre os candidatos para as legislativas do próximo dia 30 de Janeiro de 2022 e é assustador como em aproximadamente 6 horas de debate televisivo a educação foi falada apenas menos de um um minuto. Sendo crítico temos de retirar destes números que o futuro das jovens gerações e dos estudantes não interessa nada aos políticos de hoje e se assim for o futuro mostra-se negro.

“É na educação dos filhos que se revelam as virtudes dos pais.” Coelho Neto