A Comissão Europeia apresentou em abril de 2023 a proposta da maior reforma à legislação farmacêutica dos últimos 20 anos, que assenta em quatro pilares: garantir o acesso dos doentes a medicamentos seguros, eficazes e a preços acessíveis; apoiar a competitividade, a inovação e a sustentabilidade da indústria farmacêutica na UE; reforçar os mecanismos de preparação e resposta a situações de crise e garantir uma presença forte da UE no mundo.

Contudo, o novo quadro regulamentar apresentado pela Comissão levanta questões importantes para o futuro de Portugal no domínio das Ciências da Vida. As várias propostas legislativas europeias traduzir-se-ão numa alteração profunda do ambiente em que operamos na Europa e, apesar de defendermos a necessidade de uma atualização e modernização da legislação, esta não poderá comprometer a nossa capacidade de inovação.

Riscos para o futuro da indústria farmacêutica

A proposta, na sua forma atual, apresenta sérios desafios para o futuro da competitividade e dos investimentos da indústria farmacêutica de investigação na UE e em Portugal, para além de prejudicar, no longo prazo, o acesso dos cidadãos a medicamentos e a cuidados de saúde inovadores.

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Do lado da indústria farmacêutica, existem sérias preocupações relativamente a algumas das medidas propostas na revisão legislativa que, se forem implementadas na sua forma atual, poderão colocar em causa a competitividade farmacêutica global da UE, enfraquecer a atratividade do investimento na inovação, bem como prejudicar a ciência e a Investigação e Desenvolvimento Tecnológico (I&DT) europeias, o que, por sua vez, terá implicações para todo o ecossistema português das Ciências da Vida.

A ação política por parte do novo Governo português é, por isso, urgente! E é por este motivo que apelamos a uma participação mais ativa por parte dos responsáveis políticos nas próximas negociações no seio da UE, com vista a defender uma posição portuguesa centrada na I&DT. A indústria farmacêutica é um setor estratégico em Portugal e constitui uma parte importante da economia do país, com um impacto significativo em várias áreas. O valor do mercado português de medicamentos ascendeu a 5.027,6 milhões de euros em 2022, e em 2023 as exportações de produtos de saúde totalizaram 3.341 milhões de euros, correspondendo a um aumento de 36% face a 2022. Também o seu impacto positivo na balança comercial, no crescimento do PIB e na criação de emprego qualificado contribuem para a prosperidade económica de Portugal.

Proteger a competitividade, os direitos de propriedade intelectual e as patentes

Enquanto empresa, partilhamos os principais objetivos da Comissão Europeia de preparar o quadro regulamentar da UE para o futuro ao maximizar a utilização de vias rápidas, ao otimizar e reduzir os processos mais longos e burocráticos, ao aumentar a disponibilidade e a acessibilidade a novos medicamentos e de proporcionar incentivos à I&D que beneficiem os doentes europeus. No entanto, várias medidas da proposta suscitaram grande preocupação, incluindo a que diz respeito à redução de 2 anos do período normalizado de proteção regulamentar de dados (RDP) em comparação com a situação atual.

O novo Governo português deve envolver-se ativamente nas negociações em curso na UE para defender os interesses da indústria farmacêutica nacional. É fundamental pressionar por uma reforma que incentive a I&DT e proteja a propriedade intelectual.

Por exemplo, as condições dos direitos de propriedade intelectual afetam diretamente as oportunidades de investimento que, de acordo com um relatório recentemente publicado pela EFPIA – Federação Europeia de Associações e Indústrias Farmacêuticas, a proposta de redução dos períodos de proteção de dados na UE deverá reduzir para mais de metade o investimento no sector na UE nos próximos 15 anos. Deste modo, a proteção de dados é uma questão de propriedade intelectual que o futuro Governo deve trabalhar ativamente para proteger.

Defender a indústria farmacêutica portuguesa

Em Portugal, a indústria farmacêutica é um setor estratégico com enorme potencial, bem como um motor de crescimento do PIB, com um valor acrescentado por trabalhador mais elevado do que outras indústrias transformadoras. Portugal dispõe de um forte potencial para se posicionar como um hub de I&DT e um pilar estratégico da capacidade de produção na União Europeia. Dispomos de uma infraestrutura sólida para investigação, profissionais altamente qualificados e um sistema de saúde de qualidade. O Governo deve assim capitalizar estas mais-valias para atrair investimento e impulsionar a inovação farmacêutica.

No entanto, face à tendência crescente para que a regulamentação no domínio das Ciências da Vida seja transferida para o nível da UE, é fundamental que Portugal defenda ativamente os seus interesses enquanto país com grande capacidade de inovação na área da saúde. Para isso, é necessário um forte compromisso do recém-empossado Governo português e uma integração de políticas para mitigar o impacto negativo das propostas legislativas da Comissão Europeia, num esforço concertado entre os Ministérios da Saúde e da Economia.

Por conseguinte, a reforma da legislação farmacêutica da UE apresenta um desafio crítico para Portugal. O novo Governo tem a oportunidade e a responsabilidade de intervir para proteger a indústria farmacêutica nacional, garantir o acesso a medicamentos inovadores para os portugueses e salvaguardar o futuro da saúde pública. É preciso que os decisores políticos se envolvam mais ativamente nas próximas negociações no seio da UE para defender uma posição portuguesa centrada na I&DT. Não há tempo a perder. O futuro da saúde e da economia portuguesa depende de uma ação decisiva por parte do novo Governo.