No passado dia 13 de julho, com a decisão do Banco Central Europeu (BCE) de revogar a autorização para o exercício da atividade bancária do Banco Espírito Santo (BES), iniciou-se o processo de liquidação do banco mau, tendo os seus credores a possibilidade de reclamar créditos até ao próximo dia 26 de agosto. Enquanto instituição de crédito, o BES pereceu.

Trata-se de um processo a que este banco estava condenado desde que, em 3 de agosto de 2014, o Banco de Portugal decidiu aplicar a medida de resolução de transferência total ou parcial da atividade para um banco de transição. Num contexto de uma crise-económica de dimensões sistémicas e de escassez de instrumentos jurídicos que permitissem um tratamento célere e adequado às dificuldades de financiamento das instituições de crédito, ao invés de decidir pela imediata liquidação do BES, o Banco de Portugal lançou mão da referida medida de resolução com o intuito de, por um lado, isolar os ativos problemáticos da instituição objeto de resolução, tendo em vista a sua posterior liquidação (banco mau – o BES) e, por outro lado, concentrar o essencial da sua atividade numa entidade capitalizada, a vender a breve trecho (banco bom – o Novo Banco). É este o momento criador do BES, enquanto um concentrado de “entulho financeiro”.

Inspirando-se numa Diretiva Comunitária, o regime jurídico nacional que tutela a aplicação de medidas de resolução determinou que o Banco de Portugal pode discricionariamente transferir outros direitos e obrigações e a titularidade de ações ou títulos representativos do capital social da instituição de crédito objeto de resolução (BES) para a instituição de transição (Novo Banco), bem como devolver àquela direitos e obrigações que haviam sido transferidos para esta, não podendo o BES (nem os credores) opor-se a essa devolução. Fixando-se como limite a impossibilidade de nenhum credor poder assumir um prejuízo maior do que aquele que suportaria caso a instituição de crédito tivesse entrado imediatamente em liquidação.

No entanto, surpreende-nos o tratamento juridicamente ambíguo dispensado ao BES pelo Banco de Portugal. Atente-se que através desta medida de resolução, o BES não foi mais do que uma massa insolvente encapotada, na medida em que o Banco de Portugal a entendeu, por um lado, como uma instituição de crédito em vias de liquidação – não exercendo a sua atividade bancária – bem como, por outro lado, foi compreendida como uma massa liquidatária que não preenchia os requisitos exigidos pelo Código da Insolvência e de Recuperação de Empresas (CIRE).

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Senão vejamos: não se tratava de uma massa que abrangesse todo o património do devedor e que se destinasse à satisfação do universo dos seus credores, após pagas as dívidas da massa, devido às limitações do critério de assunção dos prejuízos pelos credores segundo a equidade e do princípio de salvaguarda da posição do credor em relação a um processo de liquidação.

Ou seja, com o procedimento de isolamento do Novo Banco, em relação aos ativos e passivos tóxicos, potenciou-se o benefício dos credores seniores, em detrimento dos credores juniores e dos acionistas que ficaram no banco mau. Consequentemente, se o BES tivesse sido submetido a um imediato procedimento de liquidação, sem que lhe fosse aplicada a medida de resolução, seria todo o seu património incluído numa massa insolvente ordinária.

Tratando-se de um procedimento emergente da revogação da autorização de atividade por força da aplicação de medida de resolução, a liquidação do BES subordina-se ao princípio da equidade entre os credores que passam a assumir os prejuízos da instituição de crédito de acordo com a hierarquia de prioridade das várias classes de credores, embora salvaguardando-se que nenhum credor suporte um prejuízo maior do que aquele que lhe seria imposto em caso de liquidação da instituição de crédito. Contudo, verifica-se que tal princípio é inatingível e o procedimento de liquidação do BES se encontra irremediavelmente inquinado por força da redução da esfera patrimonial do BES aos seus ativos e passivos tóxicos, realizada discricionariamente pelo Banco de Portugal.

Conclui-se, assim, que o banco mau antes de o ser, já era uma massa insolvente que, não tendo sido tratada como tal, prejudicou de sobremaneira a estabilidade do sistema financeiro nacional.

Associado de PLMJ Reestruturação e Contencioso Financeiro