Saímos da quinta recessão em democracia, de longe a mais grave pela dimensão do desemprego que gerou e pelas medidas que afectaram funcionários públicos e pensionistas. Temos todas as razões para estar satisfeitos com o desempenho económico e financeiro do ano de 2017. A economia cresceu como não se via desde 2001, a taxa de crescimento do emprego foi notável, o défice orçamental desceu para valores historicamente baixos e estamos com excedente externo. Estaríamos bastante confortáveis e a olhar para o futuro sem preocupações não fosse o peso do passado. A dívida, pública e privada, é da ordem dos 720 mil milhões de euros. E enquanto a dívida do sector público está a descer, a do sector privado aumenta, como revelou esta semana o Banco de Portugal.

E a dívida é um problema porque o crescimento económico que estamos a ter, apesar de notável, é insuficiente e não nos dá ainda garantias de que ultrapassámos uma era de estagnação, uma marca desde 2001. Se olharmos para o que se passou, nos anos seguintes às crises da era democrática, verificamos que esta recuperação tem ainda demasiadas semelhanças com a última recessão: o crescimento, sendo alto para o que tivemos no passado recente, é baixo.

Em qualquer uma das três recessões anteriores a 2000 (duas delas com intervenção do FMI), no quinto ano após a queda do produto estávamos a crescer acima dos 4%. Experimentámos anos a crescer mais de 7% no ciclo pós 1975 e pós 1984. Mesmo na crise da última década do século XX registámos um crescimento próximo dos 5%.

É a partir da recessão de 2003 que entrámos em estagnação. O máximo que conseguimos foi um crescimento de 2,5% em 2007, quando se iniciou a crise financeira nos Estados Unidos. Nesse ano, o Governo, na altura liderado por José Sócrates, anunciou também o “défice mais baixo da democracia”, na Primavera de 2008 anuncia-se a redução do IVA para Julho e em Setembro Portugal sai do seu segundo procedimento por défices excessivos. (Entrará de novo em défice excessivo em 2010 de onde só sairá em 2017).

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Quando olhamos para a actual recuperação podemos estar tudo menos confortáveis, se nos lembrarmos do que foi o passado recente, não apenas em matéria de discurso político, mas também, e especialmente, quando se compara a saída desta crise com o que aconteceu na última e com aquilo que foram as retomas anteriores. A taxa de crescimento de 2,7% atingida em 2017, cinco anos depois de em 2012 termos assistido à queda do PIB e à mais grave recessão vivida em democracia, tem de ser considerada reduzida.

Mas sendo pequena está muito acima da registada na Zona Euro? Não está, mas é uma enorme excepção no que foi até agora o século XXI. Levando em conta as estimativas da Comissão Europeia para 2017 (os números finais ainda não estão fechados), Portugal cresceu quatro décimas acima da Zona Euro. Desde 1999 que tal não acontecia em fase de crescimento. O melhor que se obteve foi em 2009, quando a economia portuguesa caiu (3%) menos que a da Zona Euro (menos 4,5%), facto inédito que se deveu aos projectos de obras públicas que podem ter agravado ainda mais a situação financeira portuguesa.

Sendo o crescimento superior ao da Zona Euro um facto importante, a pergunta que se coloca a seguir é se conseguiremos manter-nos a convergir, acabando de vez com esta maldição que parece estar a ser o século XXI.

Uma forma de avaliar, se conseguimos ir mais longe, é olhando para a evolução da produção por pessoa empregada. E neste caso os números são menos satisfatórios. A produção por trabalhador caiu em 2016 e em 2017, revelando que o crescimento que estamos a ter é de baixo valor acrescentado. O que não é surpreendente, uma vez que boa parte do emprego criado está relacionado com o sector dos serviços, designadamente do turismo.

E nesta matéria, de produção por pessoa empregada, estamos longe de ter registado em 2017 os melhores resultados do século XXI. Nos últimos 16 anos, nove registam uma evolução da produtividade que foi melhor do que a observada na Zona Euro, ou seja, melhorámos a nossa posição competitiva medida simplificadamente assim.

O anúncio do investimento do Google em Portugal, que o primeiro-ministro fez em Davos, pode ser um primeiro passo para resolver este problema de crescimento com muito emprego mas baixo valor acrescentado. Os engenheiros que venham a trabalhar no Lagoas Parque podem ser um primeiro passo para desencadear um crescimento com maior valor, mais talento, atraindo outros projectos do mesmo género. O crescimento da produção por trabalhador nunca se fará através do turismo, como não se fez no passado com a construção.

Antes de festejarmos os extraordinários números da economia em 2017 precisamos de esperar para ver até que ponto o ano de 2018 consegue abrir as portas para um crescimento como aquele que experimentámos no fim do século XX. Será a elevada produtividade de algumas empresas que permitirá aumentar os salários em sectores onde o valor acrescentado é mais baixo, criando uma sociedade menos desigual sem ameaçar financeiramente o país.

Para já, com o que estamos a ter, não há razões para nos descontrairmos em relação ao futuro. Com a dimensão da nossa dívida já não nos podemos sequer dar ao luxo de crescimentos inferiores a 3% e muito menos de ter a estagnação da primeira década e meia do século XXI.