Começou a campanha informal para as eleições europeias. E se há algo de previsível nas campanhas das eleições europeias é que pouco ou nada os partidos são capazes de discutir sobre a Europa. Pouco, porque se discute com superficialidade (por exemplo, a ameaça dos radicalismos às democracias liberais) ou porque o que aquece os debates são os fundos comunitários, mostrando que a União Europeia das liberdades pode ser muitas coisas, mas que o seu alicerce é o dinheiro que injecta no país. Nada, porque afinal tudo se define em função da política interna – com elogios ou críticas ao governo. Ora, no meio de um fim-de-semana de irrelevâncias, só houve um ponto digno de realce: a continuar assim, a campanha eleitoral do PS será um desastre. Por detrás das luzes e do espalhafato cénico, viu-se um PS assombrado pelas ilusões que criou e das quais ficou refém – a do “PS virou a página da austeridade”, a do “PS é renovação” e a do “a geringonça é um projecto com futuro”. Se o plano é levar essas ilusões a votos, o PS está a fabricar um fracasso.

É preciso um certo atrevimento para, em 2019, se defender que o governo PS virou a página da austeridade. A ideia já nem sequer opõe esquerda e direita – é matéria de consenso que esse virar de página foi desmentido pelas evidências e pelos relatórios orçamentais vezes sem conta. Afinal, o esforço fiscal exigido aos portugueses é o mais elevado de sempre, os serviços públicos estão financeiramente estrangulados e em pré-ruptura, o investimento público realmente executado está muitíssimo abaixo dos compromissos do governo. Mas atrevimento não faltou a Augusto Santos Silva, que estabeleceu o mote da campanha eleitoral socialista, e que elevou o governo PS a farol de uma Europa à deriva: segundo ele, “começou em Portugal um novo futuro para a UE depois da crise, que prova que nos nossos compromissos comuns cabem políticas diferentes”. Se fosse na América de Trump, não faltaria quem chamasse a isso “facto alternativo”.

A isso e a isto também: o PS lançou a campanha das eleições europeias apresentando-se como o motor da renovação política. Isto porque Pedro Marques, o seu cabeça-de-lista, será um estreante no parlamento europeu – ao contrário de Paulo Rangel (PSD) e Nuno Melo (CDS). Ora, o problema deste motor é que encrava ao arranque: Pedro Marques não é propriamente um novato nas andanças políticas – pelo contrário, toda a sua vida profissional está ligada à política e ao PS, com destaque para ter sido secretário de Estado nos governos de Sócrates, deputado e actualmente ministro no governo de António Costa. “Como é que é possível ser portador do futuro com as caras do passado?”, atirou Augusto Santos Silva a pensar nos seus adversários políticos. A pergunta é boa, a resposta do PS é má.

Por fim, a ilusão sobre o inconciliável: as críticas do PS ao radicalismo dos partidos à sua esquerda fazem sentido no contexto eleitoral, mas também são uma espécie de tiro-no-pé, pois salientam o lado negro da geringonça. Foram duras (e justas) as críticas de Augusto Santos Silva contra o eurocepticismo de BE e PCP, partidos que defendem “a saída da zona euro” ou a “reestruturação unilateral da dívida” e que “ainda hoje duvidam e contestam o projecto europeu”. Mas o PS tem também de responder à dúvida que estas críticas impõem: como é que pode um governo defender os interesses de Portugal na Europa e decidir em função dos superiores interesses nacionais quando a sua base de apoio político está, precisamente, nos partidos eurocépticos que duvidam e contestam o projecto europeu? Não pode.

O que fica, portanto, deste fim-de-semana de lançamento das eleições europeias? Fica a incerteza sobre se esta estratégia de acumulação de ilusões não empurrará o PS para uma campanha eleitoral falhada e, consequentemente, a uma vitória que “sabe a pouco” – isto é, a repetição do fracasso eleitoral de 2014, agora a poucos meses das eleições legislativas. Quando já não faltam reflexões sobre o potencial descalabro eleitoral do PSD, percebeu-se que importa juntar à equação a hipótese que todos descartaram: a de um fraco resultado eleitoral de um PS em queda, refém das ilusões que criou, sucessivamente confrontado pelas evidências dos seus fracassos e incapaz de defender a sua governação debaixo do fogo da campanha eleitoral. É pouco provável? Talvez seja. Mas a história prega partidas e a maior de todas é repetir-se quando menos se espera.

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