O talento que António Costa tem para a prática da modalidade do contorcionismo conceptual, é ímpar. Honra lhe seja feita e reconheça-se-lhe a habilidade.

Os exemplos passados não são poucos, mas o último é verdadeiramente incrível. E aqui, “incrível”, é usado no seu sentido mais literal – simplesmente não dá para acreditar.

Mas comecemos pelo Sr. secretário de Estado da Administração Interna que, numa tirada particularmente inspirada e, certamente, inspiradora para todas as populações em risco, sugeriu que “têm de ser as próprias comunidades a ser proativas e não ficarmos todos à espera que apareçam os nossos bombeiros e aviões para nos resolver os problemas.”

Uma sugestão da maior utilidade. De facto, até hoje, nunca se tinha visto em nenhum telejornal uma única pessoa com baldes de água e mangueiras de jardim a tentar proteger os seus bens e as suas vidas. Ainda bem que o Senhor Jorge Gomes teve esta brilhante ideia, sem a qual, certamente todas as pessoas que viveram (ou vivem) o terror das chamas mais de perto, teriam ficado sentadas no seu sofá à espera que esse mesmo Senhor lhes resolvesse a questão (já que segundo o próprio não valerá a pena ficar à espera de que chegue outra ajuda).

Ficámos também a saber pela voz do Sr. Jorge Gomes que a principal resposta deste Governo para combater a falta de meios é a proatividade. Estranha-se, contudo, que a proatividade de que fala, seja a das comunidades e não a que se exige, nesta sede, ao próprio e aos colegas de Governo (e, em particular, de Ministério).

Da Sra. Ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, a única garantia que tivemos da própria nos últimos dias, foi a de que não se demite. Resulta, portanto, que a Sra. Ministra é bastante mais eficaz a proteger o seu cargo, do que as vidas dos Portugueses – entre o dia de ontem e aqueles do incêndio de Pedrogão Grande, perderam-se (para já) as vidas de 99 pessoas.

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Descanse-se quem temesse que no meio da tragédia o Sr. Primeiro Ministro não viesse a terreiro dar garantias do que quer que seja aos Portugueses (em particular aos afetados pelos incêndios de ontem). António Costa veio já assegurar a nação de que “Seguramente situações destas vão repetir-se”.

Entre a proatividade do Sr. Jorge Gomes e as garantias de Constança Urbano de Sousa e António Costa, dormiremos todos muito mais descansados e com a certeza de que tudo ficará exatamente na mesma.

Há quatro dias, António Costa, quando questionado relativamente ao relatório de Pedrógão, garantiu que o mesmo “tem de ter as devidas consequências, sejam elas quais forem”. Veio, contudo e mais uma vez, fazer o que mais gosta: esclarecer conceitos. É que aparentemente, segundo António Costa, “É um bocado infantil a ideia de que a consequência política é a demissão de ministros”, explicando que “A principal consequência política num governo é fazer o que falta fazer”.

Ora, na modestíssima opinião do autor deste texto, António Costa tem os conceitos trocados. Fazer o que falta fazer não é a principal consequência política num Governo, mas sim a mais elementar das suas obrigações. E a consequência política de quem não faz o que falta fazer e de quem não cumpre com as suas obrigações é, sim, Sr. ministro, a demissão.