Numa ironia do calendário, assinalou-se este sábado o Dia Mundial dos Cuidados Paliativos (14 de outubro), e terminou também a semana de negociações entre sindicatos dos médicos e Governo. Estranhamente, nenhum ponto destas negociações faz referência aos médicos que trabalham diariamente em equipas comunitárias de suporte em cuidados paliativos. Um total apagão de um lado e do outro da mesa negocial.

Estas equipas fazem parte do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e estão inseridas nos cuidados de saúde primários. São equipas que todos os dias cuidam de pessoas, quer dos pacientes, que apresentam doenças progressivas avançadas e incuráveis, quer das suas famílias. Estes cuidados paliativos têm como objectivo melhorar a qualidade de vida dos doentes e são, desde há vários anos, considerados um direito em Portugal. Assim sendo, regista-se, nesta matéria, um gritante contra-senso: um país que, por um lado, deseja a melhor qualidade de vida possível aos cidadão até à hora da morte, e do outro, um Governo e sindicatos que dão mostras de falta de atenção e consideração ao não revelar qualquer preocupação com os profissionais desta área. Uma área da medicina que nos acompanha quando as outras pouco ou nada já podem fazer.

Quando um clínico se entrega a esta área está, por incrível que pareça, a abdicar da progressão na carreira. Os médicos que se dedicam a tempo integral aos cuidados paliativos suspendem a carreira prevista para os especialistas em medicina geral e familiar. Nem Governo nem sindicatos discutem a necessidade urgente de criar uma carreira para estes profissionais de saúde. Parece mentira, mas é apenas o resultado do esquecimento a que somos votados. Os médicos de cuidados paliativos não progridem na carreira, porque não está prevista e isso acarreta uma série de problemas, incluindo um crónico congelamento salarial. Se não há promoção, não há aumento. Vivemos num limbo burocrático e assim vamos continuar.

Talvez este seja apenas o reflexo da inação de um conjunto de decisores que não querem ver o sofrimento físico, psíquico e social que envolve processos de doença arrastada, que não querem ver a necessidade de dar dignidade a este momento da vida. Decisores que ignoram quem cuida e deseja dar humanidade a um momento dolorosamente inevitável e complexo.

Celebro este dia com uma sensação agridoce de quem observa profissionais dedicados, motivados pelo trabalho que desenvolvem com doentes e famílias, mas que se veem ignorados no momento em que se negociam as condições do seu trabalho.

Termino deixando o meu profundo agradecimento a todos os profissionais que trabalham ou trabalharam em cuidados paliativos, em contexto público ou privado. Um obrigada pela forma como se empenham no cuidado prestado a cada doente e família, acreditando sempre que contribuem para a construção de um país onde cada dia da vida de cada um importa, mas importa mesmo.

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