Já teve alguma vez a sensação que o mundo da Qualidade anda louco? Aquele momento em que o Sr. António reclama com um problema de qualidade, o Pedro da Qualidade recebe a reclamação e envia um mail a 10 pessoas dentro da organização a pedir para implementarem ações corretivas, nisto trocam-se vários emails  Isto não é da minha área, é do design”, “isto não é do design, é do produção”,perguntem ao cliente afinal qual a causa do problema, pode ter sido mau manuseamento” e com isto passam-se horas, centenas de mails, reuniões, dias, a “bola” a passar de um para outro, o cliente à espera de uma solução e a produção a produzir de igual forma….

Apesar de falarmos muito em “customer centricity” muitas empresas encontram-se cada vez mais distantes dos seus clientes E os clientes, por sua vez, estão cada vez mais próximos do produto.

As plataformas digitais, o acesso rápido às informações e os rankings de qualidade vão sendo um fator decisivo no momento de uma aquisição.

Para muitas organizações, a Qualidade é quase considerada um bem adquirido, a prioridade é fazer mais e mais barato. A qualidade toma importância e relevância no momento em que há problemas, mas o “focus” na prevenção tem vindo a decair nas últimas décadas.

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Cada vez há mais dados a serem gerados e tratados, testes laboratoriais e estudos de tendências, toleranciamentos, capacidades… Fomos, durante anos, formatados a tratar dados e mais dados e perdendo a nossa força de pensar como pessoas e passarmos a pensar como máquinas. Mas com a inteligência artificial já vamos tendo máquinas que podem fazer esse trabalho por nós…

Somos humanos, devemos agir como tal e deixar as máquinas tratar do resto.

A estrutura tradicional de um departamento de Qualidade nas organizações tem que ser quebrada. Aquela estrutura horizontal, com o controlador da qualidade que reporta ao engenheiro da qualidade, que reporta ao diretor de qualidade e que depois se replica pelas diversas áreas da qualidade (produção, engenharia, reclamações, sistema, auditoria) tem que se transformar.

O mundo transforma-se e existe uma necessidade urgente de transformar a Qualidade.

A transformação da qualidade nas organizações tem que passar essencialmente por uma transformação de mentalidade orientada para o cliente. Pode focar-se em quatro aspetos fundamentais:

  • Conhecimento;
  • Agilidade;
  • Mentalidade;
  • Liderança.

Conhecimento

Temos que ter nas organizações as figuras dos especialistas da qualidade por produto (e não por área). Esse especialista participa em todo o ciclo do produto, desde o seu desenvolvimento, produção, até à gestão da reclamação do mesmo. O especialista deve conhecer a total performance do produto, ter uma “relação emocional” com o mesmo, saber todas as suas qualidade e defeitos. Assim, ele pode facilmente relacionar-se com o cliente quando houver insatisfação e responder de forma empática, com conhecimento perfeito do problema e da solução, indo ao encontro das expectativas do cliente e deixando-o satisfeito com o “seu menino”.

Agilidade

Eu costumo dizer, que se a qualidade servisse apenas para fazer cumprir procedimentos, então não precisaríamos de pessoas nem do departamento da qualidade. A Qualidade deve funcionar como suporte para a gestão de riscos. No entanto, e extremamente importante, é fundamental garantir que não se confunde agilidade com facilidade. A segurança e os valores têm que ser sempre assegurados, no entanto, sermos ágeis e termos abertura à gestão de risco permite-nos motivar as nossas equipas a valorizar a sua experiência, o seu conhecimento, a sua opinião e, com isso, tomarem as decisões mais valorizadas pelo cliente!

Mentalidade

Nada se consegue fazer sem abertura à mudança. A mentalidade é o principal paradigma da mudança e na Qualidade ela não é exceção.

Começar por nos focarmos em quem nos paga o salário. E não, não são os recursos humanos ou o nosso chefe que nos paga o salário. São os nossos clientes! Temos uma dificuldade enorme em nos colocarmos nos “sapatos” dos nossos clientes e “sentir-lhes as dores”. Quantas vezes ouvimos dizer “eu não conheço o cliente?” Mas o cliente somos nós, pessoas com expetativas e ambições semelhantes às nossas quando adquirimos um produto. Pensando assim, não deveria ser tão difícil perceber o cliente, pois não?

Sei que isto parece muito fácil de dizer e escrever e difícil de concretizar, mas é possível! Experimentem mudar as equipas da sua zona de conforto, fazer uma rotação das equipas da qualidade, colocar as equipas  em visitas com a assistência técnica, questionando com frequência: “Comprarias este produto?” Só assim conseguimos motivar as nossas equipas para a mudança das suas opiniões, da sua mentalidade e forma de encarar a qualidade.

Valorize as opiniões! Claro que há um grande fator de sucesso por trás disto tudo: a Liderança.

Liderança

Deixei a liderança para o fim, pois é o alicerce de tudo! Uma liderança assertiva, orientada para as pessoas, um modelo de gestão transversal e menos horizontal (hierárquico), uma liderança focada no trabalho de equipa, na valorização, na confiança e nas pessoas. Apenas assim uma transformação é possível. Não vale a pena apostar numa transformação na Qualidade da sua organização se não apostar numa boa liderança que possa motivar uma mudança de mentalidade da equipa, incentivando e dando exemplos de agilidade e com isto assegurar o compromisso para com o conhecimento e o produto.

Tratar os outros como gostaríamos de ser tratados, na Qualidade tem que ser um exemplo: suportar, formar e, acima de tudo, importar-se!

Com a combinação destes quatro aspetos consegue-se obter uma equipa da Qualidade com uma relação emocional com o produto, uma equipa de confiança e que confia, comprometida com o cliente, que se preocupa! E quando nos preocupamos, resolvemos e isso é, na realidade, o que o cliente está disposto a pagar – isto é Qualidade!

Cláudia da Silva Paiva, nasceu em 1976 e é Diretora de Qualidade da Unidade de Negócio Residential Water – Bosch Termotecnologia S.A, sendo licenciada em Engenharia e Gestão Industrial na Universidade de Aveiro, com pós-graduação em Inovação e Desenvolvimento de novos produtos e serviços.

O Observador associa-se à comunidade Portuguese Women in Tech para dar voz às mulheres que compõem o ecossistema tecnológico português. O artigo representa a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da comunidade.