A vitória de Pedro Sánchez e do PSOE confirmou algo evidente há quase quatro anos em Portugal: que o único modo de ganhar eleições a governos europeístas e responsáveis é deixar de estar na oposição a esses governos europeístas e responsáveis. Tanto cá como lá, os partidos socialistas só venceram depois de governarem sem terem vencido.

Quando olhamos para o percurso de António Costa desde que é secretário-geral do PS, vemos isso. Em 2015, Costa sofreu problemas na campanha contra o governo PSD/CDS – que desempenhava o tal papel europeísta e responsável – porque Costa, como é hoje visível, também teria sido e acabou mesmo por ser esse europeísta responsável. Foi a partir daí que o PSD não conseguiu assumir-se como força de oposição: não podiam criticar um governo que cumpria as regras europeias porque estariam a fazer o mesmo se ainda fossem governo.

Apesar de toda a verve ideológica que sustenta a ‘geringonça’, o governo minoritário de Costa é uma solução colorida com uma política realista e, mais do que isso, com um objetivo claro: diferenciar-se. A erosão dos partidos ao centro e a sangria de votos para movimentos populistas devem muito à dificuldade dos partidos – do centro-direita ao centro-esquerda – em diferenciarem-se.

O choque simbólico da ‘geringonça’ ofereceu ao PS a capacidade de se diferenciar do PSD e do CDS, para vir depois cumprir as metas europeias e o tratado orçamental como PSD e CDS haviam igualmente procurado fazer. Não sou só eu que o digo, atenção, a quantidade de pessoas que o diz é de uma variedade que vai de Arménio Carlos ao Economist.

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A questão, então, é o que sobra. Além das capas ideológicas, o que distingue verdadeiramente o centro-direita e o centro-esquerda numa governação europeísta e responsável? No caso espanhol e no caso português, duas coisas: o poder e a flexibilidade. É isso que Costa e Sánchez têm em comum. Entenderam que, não podendo divergir do centro-direita nas políticas estruturais, passariam o resto da vida na oposição se não prescindissem de alguns princípios para chegar ao poder. Chegados ao poder, tudo se facilitou: a agressividade da comunicação institucional, a alimentação dos seus aparelhos pela máquina do Estado, a vantagem de ser o incumbente e, com efeito, o favoritismo eleitoral.

A verdade é que, à exceção da incumbência e da abertura às causas fraturantes e de género, o PS e o PSOE tiveram governações inertes, ao sabor do clima económico e da novidade política, abraçando uma Europa que não tem tempo para se preocupar com eles. De resto, as soluções literalmente excêntricas que encabeçaram não produziram políticas desviantes ou sequer marcantes. Ninguém renegociou a dívida, ninguém nacionalizou indústrias, ninguém colocou em causa a relação com Bruxelas, ninguém convocou referendos. Para o bem e para o mal, Costa e Sánchez ficarão na história como os senhores que “foram primeiro-ministro” e não como os primeiros-ministros que “fizeram alguma coisa”. A sua razão de ser é o seu único legado: o exercício de poder. E é também isso, e pouco mais, que os distingue das alternativas. Eles governam.

Não surpreende, portanto, que as plataformas populistas gozem de tamanho sucesso eleitoral. A democracia não nasceu para ser uma alternância entre tecnocratas e o facto de, neste momento, o ser teve consequências nos sistemas políticos europeus. O fim das maiorias absolutas em Espanha e em Portugal é um sinal disso. Quando os partidos de poder somente se distinguem entre si pelo exercício do poder, é natural que os eleitores busquem alguém que não tema a diferença. Pablo Casado tentou fazê-lo através dos valores da família. Infelizmente, falhou em larga escala. A nossa direita, mais cedo ou mais tarde, será confrontada com essa escolha entre ser flexível e não governar. A escolha errada significará o seu desaparecimento como a conhecemos. E importa saber quem liderará essa escolha.