Não é uma questão de respeito. Muito menos de medo. Nem se trata de abdicar da bola. De achar que se é inferior ou de se encolher e amansar, na esperança de quem esteja do outro lado não o castigar em demasia. Não. É mais parar, pensar, olhar para fora e, ao mesmo tempo, perceber bem o que se tem cá dentro — e disso tirar o máximo proveito. Saber o que se tem e saber como usá-lo. É difícil fazê-lo, mas costuma dar certo e, por acrescento, frustrar quem, do outro lado do campo, era superior. Como uma guitarra barata, de cordas afinadas, que toca música para irritar alguém em específico.

Neste caso, o Sporting. É uma arte. Cada jogador saber onde deve estar, quando deve chatear o contrário, entender os sinais que mandam pressionar o adversário ou ter decorados os passes e jogadas para engatar um contra-ataque. Os homens de Moreira de Cónegos são um pouco assim. “Preparámos uma estratégia”, avisara Miguel Leal, o treinador, ciente de que o Sporting do campeonato não seria o Sporting de Londres, que à casa do Chelsea perder para a Champions. Este seria um leão a querer ser mandão, egoísta com a bola e atacante.

Mas o Moreirense queria outra coisa: surpreender. Fê-lo logo aos 57 segundos, quando roubaram logo uma bola e Paulinho, a versão mota de um lateral direito, começou a correr e cruzou para a área, onde apareceu Arsénio a cabecear para as mãos de Rui Patrício. Podia ter sido sorte. Nada disso. A equipa de Miguel Leal estava organizada, pressionava os jogadores do Sporting sem descanso, a encostar nos leões quando estes estavam de costas para a baliza. Viam-se jogadores a anteciparem passes e intenções — muitas vezes bem. Tudo parecia estar afinado.

E os leões desafinavam com tanto acerto contrário. William e Adrien estavam quase sempre cercados, Montero, outra vez a 10, guardava bolas e tentava distribui-las para as corridas de Carrillo ou Mané, mas o colombiano mascarar-se a médio já perdera o fator novidade. Portanto, só com erros alheios é que o Sporting e a baliza do Moreirense conseguiam conversar. Primeiro num canto, aos 5’, quando nenhum adversário cortou a bola que sobrou para Adrien Silva a rematar, rasteira, pouco ao lado do poste. Depois aos 10’, quando um mau passe colocou a bola em Carrillo, que à entrada da área cortou para dentro e disparou, mas falhou a baliza por pouco.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O Moreirense, pelo meio, não entortava o passo. Incomodava, ganhava cantos atrás de cantos e, com faltas ou desarmes, cumpria o plano de nem deixar o Sporting contra-atacar — só o fez aos 26’, quando uma cueca livrou Slimani de um adversário e o deixou sprintar pelo campo, tabelar com Montero pelo meio e cruzar rasteiro para Carrillo mandar a bola sentar-se na bancada. Não houve golo. Só naquela baliza, porque na outra, dez minutos depois, as redes abanaram quando um canto curto do Moreirense deu a bola a Arsénio para, ele sim, a cruzar rumo à cabeça de Ramón Cardozo.

Quem estava de verde na área ficou parado e virou a cabeça para o fiscal de linha, à espera do fora de jogo que não chegou. O que apareceu foi o 1-0 e o segundo golo (quinto da época) do paraguaio que trocou Setúbal por Moreira de Cónegos. Agora, a guitarra do Moreirense soava em Alvalade como uma unha a riscar um quadro de xisto. Estridente. Um remate de Carrillo aos 37’ e outro de Adrien Silva, aos 38’, que um defesa cortou quase em cima da linha de baliza, ainda tentaram abafar o som, mas não conseguiram. E o intervalo até chegou com o Moreirense nos 53% de posse de bola em Alvalade.

Havia duas escolhas para os leões: pegar na guitarra adversária e parti-la à bruta, atacando, trocando a bola e encostando a equipa de Miguel Leal à sua área, ou começar a tocar uma música que tornasse muito difícil o Moreirense contrariar. Nenhuma aconteceu. O Sporting começou a ter mais bola, sim, mas sem conseguir mexer na organização alheia a defender. Viam-se muitos cruzamentos à procura de Slimani, como o que, aos 48’, o argelino tocou para a cabeça de Adrien, que rematou a bola por cima.

A bola não circulava rápido pelo relvado e os leões teimavam em não lhe darem passes e velocidade. Os necessários para baralhar os olhos de quem os seguia. William não acelerava nenhuma bola, mas foi Adrien a sair para dar lugar a João Mário. Carrillo, com a bola, driblava e desequilibrava, mas os minutos passavam e ia tendo cada vez mais vigilantes. Mas o Sporting forcava, cruzava, atacava e tentava. Só que as oportunidades não apareciam para destoar da balada que o Moreirense ia aguentando.

Passada a hora de jogo, os visitantes, contudo, abrandaram. Defender e aguentar passou a ser a prioridade. Mas, aos 88’, iam tornando a melodia mais melancólica para Alvalade quando, num contra-ataque desenfreado, Gerso cruzou a bola para Paulinho, solitário na área, rematar por cima da baliza de Rui Patrício. Em campo já estava Junya Tanaka, desde os 78’, um minuto depois do tempo em que, em setembro, entrara frente ao Arouca. Isto interessa? Sim, pois aí o Sporting ganhou nas últimas, com golo de Carlos Mané, após o japonês rematar uma bola ao poste. Agora, voltou a ter mão, ou pé, numa decisão.

Ou seja, noutro golo. Desta vez o de Fredy Montero. Foi de novo o nipónico a estar na jogada, quando dominou uma bola na área e a deixou para o colombiano fazer o 1-1 aos 90’+2, partir uma corda à guitarra afinada do Moreirense e salvar um ponto. Mas sem evitar que o Sporting, com este empate, seja ultrapassado pelo Braga e caia para o quinto posto. O leão voltou da Champions desafino e quase deixou que cantiga de Miguel Leal e do Moreirense levassem uma surpresa de Alvalade.