Mais de 57 milhões de turcos estão inscritos para as eleições legislativas de hoje, as mais incertas desde 2002, com a possibilidade de o partido islamita AKP perder a maioria absoluta garantida em anteriores escrutínios.

As legislativas assumem no entanto um duplo significado, ao serem encaradas como um plebiscito ao Presidente turco e líder do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP), Recep Tayyip Erdogan, e aos seus planos para concentrar mais poderes.

As eleições também vão ser dominadas pelo processo de paz com a guerrilha curda, a crescente islamização da sociedade impulsionada pelas autoridades, a recordação dos grandes protestos antigovernamentais da primavera de 2013, a corrupção, o autoritarismo ou o recuo da economia.

As sondagens fornecem ao conservador AKP entre 40% e 42% dos votos (49,8% em 2011, quando Erdogan ainda ocupava o posto de primeiro-ministro), enquanto aos sociais-democratas do Partido Republicano do Povo (CHP) é-lhes atribuído 26% e à direita radical do Partido de Ação Nacionalista (MHP) até 17%.

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A grande incógnita reside nos resultados do pró-curdo Partido Democrático dos Povos (HDP), tradicionalmente forte nas regiões do sudeste onde se concentra esta minoria, que se apresenta pela primeira vez às legislativas também para se afirmar com uma alternativa global de esquerda no país.

Caso supere a fasquia obrigatória dos 10% de votos a nível nacional, o HDP garantirá representação na Grande Assembleia Nacional com 50 dos 550 deputados e um grupo parlamentar próprio, dificultando a revalidação da ampla maioria do AKP, que no último escrutínio garantiu 311 lugares.

Caso a formação curda não obtenha o mínimo de 10%, as projeções admitem que a repartição dos lugares poderá fornecer uma maioria de três quintos à formação islamita-conservadora, necessária para submeter a referendo a reforma constitucional pretendida por Erdogan.

Esta reforma imporia na Turquia um sistema presidencialista, com o chefe de Estado a garantir funções executivas que lhe estão vedadas na atual Constituição. Contudo, Erdogan continuou a garantir um grande peso político na vida política do país mesmo após ter deixado o cargo de primeiro-ministro e vencer as presidenciais de agosto de 2014.

Os escândalos de corrupção que envolveram diversos dirigentes do AKP, as denúncias de crescente autoritarismo do Governo, que acabou de promover leis que reforçam os poderes da polícia para atuar sem autorização judicial e aumentam o controlo sobre a Internet, deverão impedir que o partido de Erdogan repita os 49% das legislativas de junho de 2011.

A presença de candidatos de minorias étnicas é outra novidade deste escrutínio, e espera-se que o próximo hemiciclo inclua pela primeira vez uma deputada arménia e um representante da população rom (cigana).