Está em curso uma profunda reforma dos serviços de informações que tem o acordo do principal partido da oposição, o PS, e que se traduz no aumento dos poderes do secretário-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), que passa a ter um número 2, e aprofundamento dos serviços partilhados do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) e do Serviço de Informações de Segurança (SIS). Trata-se da (polémica) gradual unificação dos serviços, iniciada pelo Governo de José Sócrates.

A proposta de lei com esta profunda reforma foi apresentada pelo Governo de forma discreta. O diploma, aprovado no Conselho de Ministros na semana passada, foi descrito pelo ministro da Presidência, Luís Marques Guedes, como um passo para o combate ao terrorismo e, por isso, destacou a possibilidade inédita de estes serviços virem a aceder a dados bancários, fiscais e de telecomunicações. E, apesar de estes novos poderes já terem suscitado contestação nos meios judiciais, tem também apoio dos socialistas, que negociaram com o Governo estas alterações ao mesmo tempo que discutiu o pacote de medidas de reforço da estratégia anti-terrorista.

O deputado Jorge Lacão, indicado por António Costa como interlocutor do Governo, confirmou ao Observador que, “no quadro de conversas entre Governo e PS, foram estabelecidas linhas orientadoras para se chegar a um consenso”.

“Esta proposta de lei não faz parte do pacote de medidas anti-terroristas [já em discussão no Parlamento] mas vem na linha da disponibilidade que o PS revelou em matérias sensíveis e de Estado. Também agora isso acontece com esta proposta de lei, sem prejuízo de uma avaliação mais fina de algumas matérias na [discussão na] especialidade [no Parlamento]”, explicou Lacão, salientando que as questões de segurança interna e serviços de informações “sempre foi objeto de entendimento entre os dois maiores partidos”. Segundo o deputado, as alterações no sentido de “reforço das funções partilhadas dos serviços de informação e de reforço dos poderes do secretário-geral” têm também o apoio do PS.

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A proposta de lei prevê o acesso a dados de tráfego das operadoras de telecomunicações, a dados bancários e fiscais, sendo criada para o efeito uma entidade própria integrada por magistrados judiciais, que concede a autorização prévia do acesso à informação e dados necessários.

A Associação Sindical de Juízes Portugueses fala em “devassa inadmissível da vida das pessoas”, enquanto a Comissão Nacional da Proteção de Dados considera que o acesso “a dados pessoais sensíveis é preocupante”.

Jorge Lacão desdramatiza. “Se fizer uma avaliação em vários países democráticos, não encontrará em nenhum deles serviços de informações com atribuições mais reduzidas do que no caso português”, explica. “Não somos rigorosamente nada inovadores face às exigências, ameaças e riscos”, acrescenta.

O que é a unificação?

A proposta de lei aprovada na semana passada prevê, no âmbito da unificação dos serviços de informações, a criação de um novo posto, o de “secretário-geral adjunto para coadjuvação do secretário-geral, com consequente reforço da hierarquia de comando operacional, centralizado no secretário-geral (que superintende) e nos diretores do SIS e do SIED, determinando a eliminação dos cargos de direção superior de segundo grau do quadro de pessoal dirigente do SIRP”.

Neste diploma, são ainda agravados a moldura penal para a violação do segredo de Estado e o regime sancionatório aplicável à quebra, comprometimento e violação do correspetivo dever de sigilo reforçado e o quadro estatutário, deontológico e disciplinar a que estão sujeitos os seus dirigentes e pessoal.

Passará a haver uma aprovação por despacho conjunto do primeiro-ministro e do ministro das Finanças, dos planos quinquenais de programação orçamental de meios e recursos do SIRP e a consagração da preferência por elementos do pessoal das carreiras de oficial de informações na designação para cargos dirigentes.

Estas mudanças são, no fundo, um aprofundar daquilo que o Governo de José Sócrates começou por fazer no seu primeiro mandato.

A isto acresce que o próprio secretário-geral do SIRP, Júlio Pereira, é um dos defensores da unificação dos serviços e mesmo da sua fusão. Numa conferência na Universidade Nova, no dia 28 de março de 2012, Júlio Pereira afirmou que “num momento em que importa ao Estado controlar a despesa pública, não podem existir meios de uns e os meios dos outros”.

Desde que iniciou funções, a 21 de junho de 2011, o Governo de Pedro Passos Coelho e Paulo Portas já cortou três milhões de euros nos serviços de informações. O SIS perdeu 1,88 milhões de euros, ou seja, 16,9% do seu orçamento e o SIED, 1,17 milhões de euros (- 15,9%), ao mesmo tempo que cresceu o orçamento das Estruturas Comuns, mais 14 mil euros (+ 0,13%).

Os sucessivos cortes nos orçamentos dos serviços de informações apontam para um reforço das estruturas comuns do SIRP, organismo que tutela as ‘secretas’ e que se tem mantido praticamente incólume ano após ano em termos de orçamento. As estruturas comuns são politicamente muito controversas pois são apontadas como uma forma encapotada de tentar fazer uma fusão dos serviços. A questão da fusão do SIS (vocacionado para as ameaças internas ao Estado português) e SIED (ameaças externas ao Estado português) chegou, inclusivamente, a estar em cima da mesa no início desta legislatura, mas acabou por cair face à oposição do Partido Socialista, na altura, liderado por António José Seguro.

Passos Coelho confirmou mesmo, em 2012, que não tinha avançado com a fusão dos serviços de informações por falta de consenso com o PS de António José Seguro e que não substituia o secretário-geral do SIRP, Júlio Pereira, por um princípio de “continuidade” e “confiança” nas instituições. A reforma agora proposta e negociada com António Costa é menos radical do que a idealizada há três anos.

Conselho de Fiscalização mudou de opinião

As Estruturas Comuns aos Serviços de Informação, criadas com uma alteração à lei do Governo de José Sócrates, foram muito criticadas pelo próprio Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informação da República Portuguesas (CFSIRP), por exemplo, no relatório referente ao ano de 2009. Nesse documento, o Conselho afirmou ter “dúvidas” sobre o seu funcionamento e alertou para a existência de “alguma desconformidade entre a qualificação legal das estruturas comuns como departamentos administrativos e as concretas missões que por lei lhe estão atribuídas”.

No parecer respeitante ao ano de 2011, o CFSIRP foi mais longe. Apesar de garantir não ter detetado “qualquer ato demonstrativo da ultrapassagem dos limites de uma atividade estritamente administrativa”, admitia que os limites orgânicos entre as Estruturas Comuns e os Serviços de Informações eram “subjetivamente respeitados”. No entendimento do CFSIRP, a legislação atual, em vigor desde 2007, deixava caminho aberto a eventuais ingerências administrativas.

Em 2013, houve uma mudança dos fiscais das secretas. Entram João Soares e Paulo Mota Pinto (mantendo-se o terceiro elemento, José António Branco) para substituir Marques Júnior e Pedro Guedes Barbosa. E a posição sobre a questão das Estruturas Comuns alterou-se. No primeiro parecer emitido pela nova equipa, elogiava-se o seu “papel decisivo”. No seguinte, o “CFSIRP reforçou também a posição, que já pudera formar anteriormente, de que a criação das estruturas comuns foi um passo que valeu a pena na aproximação dos dois serviços não militares (SIS e SIED)”.