Já não há dedos das mãos nem dos pés para contar as vezes que Caetano Veloso já esteve em Portugal. Teresa Cristina não. A primeira visita ao país da carioca de 49 anos aconteceu em setembro, para o início da digressão “Caetano apresenta Teresa”, em que o “monstro”, assim a cantora de samba carinhosamente lhe chamava, pela sua importância central na história da música brasileira, subia ao palco com ela. Teresa lembra-se de tudo dessa primeira noite, como se fosse um filme. “Eu estava muito emocionada, porque juntou o facto de ser Lisboa, e eu sempre quis conhecer Portugal. Então, cantar em Portugal com Caetano era muito detalhe bom junto. Fiquei sentindo a mão a tremer, tentando disfarçar, controlar a respiração“, admite, em entrevista ao Observador.

Os dois estão de regresso, desta vez ao Porto. Caetano, preso pela ditadura do Brasil e forçado ao exílio, canta esta terça-feira, 25 de Abril, no Porto, num concerto já há muito esgotado. Os dois regressam no dia seguinte ao Coliseu do Porto e, em maio, há nova oportunidade para ver e ouvir Caetano e Teresa. Os dois concertos estão marcados para os dias 16 e 17 de maio, no Casino Estoril, com bilhetes entre os 80€ e os 150€. A digressão passou também por Paris Estados Unidos, Coreia do Sul, Japão, Brasil, Argentina, Chile e Uruguai, e termina a 19 de maio em Amesterdão.

Caetano: Calor com amor se paga

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Observador: No próximo dia 3 de maio vai ser publicada uma biografia não autorizada, A Vida de Caetano Veloso — O Mais Doce Bárbaro dos Trópicos. Sei que a leu há muitos anos e que não gostou, por isso não deu autorização. Voltou a ler agora?

Caetano: Li quando eles me mostraram na altura, agora reescreveram. Não reli, mas vou olhar agora quando voltar para o Brasil. Eles são uns meninos muito gentis, delicados, e fizeram uma pesquisa muito cuidadosa, falaram com todos os meus parentes, irmãos, meus amigos de infância, as pessoas com quem eu trabalhei em vários períodos, e acho que eles fizeram um levantamento que deve valer a pena para quem se interessa pela minha vida [faz uma expressão facial de quem não percebe porque é que alguém se interessa pela sua vida pessoal]. Agora, quando a li pela primeira vez falei para eles: “Olha, isso precisaria ser reescrito” porque… Como texto literário, achei um pouco fraco. Agora eu não reli, mas foi preciso autorização minha para que eles pusessem as fotografias e eu dei autorização. Sem reler.

Observador: Desde setembro que andam com este espetáculo na estrada. Em setembro já o mostraram em Lisboa. Mudaram alguma coisa desde então? O que é que os vossos fãs vão poder ver?

Caetano: Ao longo desse tempo alguma coisa mudou, mas não muito, né?

Teresa: Um detalhezinho, às vezes uma ordem de músicas…

Caetano: Eu vario mais do que ela, porque ela armou um negócio com o Carlinhos que é satisfatório. Eu estava procurando um repertório e continuo procurando um pouquinho. De vez em quando mudo alguma coisa.
Por insatisfação? Ou porque tem tanto para mostrar que, por vezes, sente vontade de tocar outra música que não estava na lista?

Caetano: É muito grande e eu fiquei pensando como é que ia escolher. Mas, na hora, não foi tão difícil porque eu tinha um critério: não cantar as canções que eu estava cantando no show com o [Gilberto] Gil. Mas isso traz dificuldades. Há canções relevantes, interessantes, além daquelas? Fui procurar e, de facto, achei. E até gostei de algumas que eu já não cantava faz muito tempo, como “Enquanto seu lobo não vem”, “A voz do morto” e “Tá Combinado”, que é uma canção que eu adoro mas que não cantava há muitos anos.

Teresa: E “Esse Cara”?

Caetano: “Esse Cara” faz anos que não cantava! É uma que todo o mundo conhece, mas que eu não cantava há muitos anos.

Observador: Porque não gostava dela?

Caetano: Não, porque eu tinha que fazer outras coisas, não estava por ali.

Teresa: E também porque ela foi gravada pela Bethânia e foi um grande sucesso dela.

Observador: Estava muito associada a ela.

Caetano. É. Teve um show em que eu cantava “Esse Cara” com Jacquinho [Jacques Morelenbaum].

Observador: Houve alguma canção que tenha redescoberto? Que tenha ouvido e pensado: “Isto é bom, já não me lembrava”.

Caetano: Sim! Aconteceu com “Tá Combinado”. “Meu bem meu mal” também achei que era uma canção muito mais bonita do que eu imaginava. Primeiro era uma cançãozinha sem importância mas, quando cantei, pensei: “Puxa, mas é bacana aquela série de ideias, de rimas, de imagens, tão fluída e espontânea”. Hoje, meio de longe, eu acho bonita.

Observador: Teresa começa cantando Cartola, acompanhada pelo guitarrista Carlinhos. Depois o palco é de Caetano, voz e violão. Em algum momento se juntam os dois para cantar?

Caetano: No final, se pedem ‘bis’, a gente volta junto [risos]. Aí, cantamos canções minhas, porque ela sabe tudo. Ela escolheu logo “Miragem de Carnaval”, que é mesmo muito bonita mas nada conhecida, e que eu fiz para o filme “Tieta”. Ela cantando mostra que é uma grande canção.

Teresa: E “Como dois e dois”.

Caetano: Que é uma canção que ela ouve desde criança, cantada pelo Roberto Carlos, para quem eu compus. E…

Teresa: “E a “Tigresa”.

Caetano: Essa acho que fui eu que sugeri.

Teresa: Eu achei que era pecado cantar “Tigresa” depois da Gal Costa [Gal Costa]. Mas fui aceitando [risos].

Caetano: Ah, mas ficou bonita… E você faz uma citaçãozinha de Gal.

“Quando ele está cantando, eu sinto que mudam os lugares onde ele se emociona com as próprias canções”, diz Teresa Cristina, sobre Caetano Veloso. © Sara Otto Coelho / Observador

Observador: A Teresa referia-se a Caetano como o monstro. Estava muito nervosa no primeiro espetáculo?

Teresa: No primeiro? Não era tanto nervosa, estava muito emocionada, porque juntou o facto de ser Lisboa, e eu sempre quis conhecer Portugal. Então, cantar em Portugal com Caetano era muito detalhe bom junto. Fiquei sentindo a mão a tremer, tentando disfarçar, controlar a respiração… E o lugar, o Coliseu, era tão lindo! Mexeu muito comigo, eu lembro bem desse show, algumas partes parece que estou lembrando de um filme.

Observador: Agora que se conhecem melhor e que já partilharam o palco tantas vezes, aprenderam alguma coisa um com o outro? Na forma de cantar, na forma de enfrentar o público?

Caetano: Eu assisto ao show dela em todo o lugar onde é possível — e, em geral, é possível –, fico na coxia assistindo todas as noites. Porque muda um pouquinho cada dia, tanto o violão como a voz.

Teresa: E quando o Caetano entra e eu entrego o show a ele, a maneira como ele fala comigo, ali eu sinto como o meu show foi. Às vezes não é nada, é só um olhar, uma palavra, uma frase… É o meu melhor crítico, sabe? Porque, às vezes, pela plateia você tem uma reação, “ah que bom que eu estou agradando, o show está legal”. Mas aquele pequeno momento, para mim, é muito importante. É a hora em que eu vejo se fui bem ou se não fui bem. Quando ele está cantando, eu sinto que mudam os lugares onde ele se emociona com as próprias canções. Não sei se é o momento, se é um verso que ele canta de um jeito atencioso, mas vai mudando.

Observador: Tem tocado “Terra” nesta digressão. Quando a ouço, por vezes sinto ali apontamentos que poderiam ser de uma canção portuguesa. Há alguma música neste espetáculo que tenha nascido a partir de inspiração portuguesa?

Caetano: A música portuguesa esteve muito presente na minha formação. Quando era criança, em Santo Amaro, ouvia fados e quando cantava tentava imitar o jeito português de pronunciar as palavras. Com 12, 13 anos, no show do ginásio, eu cantava fados e as pessoas ficavam impressionadas. Eu ainda com a voz fina de criança, fazendo um pouco de arabescos portugueses na voz e imitando o sotaque português. Havia uma cantora portuguesa que vivia no Brasil e que fazia muito sucesso chamada Ester de Abreu. Uma mulher bonita, que foi para o Brasil já adulta. Ela cantava bem fado e eu adorava, ouvia na Rádio Nacional. Depois quando cresci ouvia Amália e fiquei mais apaixonando ainda. Por isso a presença da cultura portuguesa está nas minhas canções. Tem uma música, que Bethânia me pediu para fazer em 1968, com as frases “Navegar é Preciso / Viver não é Preciso”, que ela tinha encontrado num texto de Fernando Pessoa. A frase remonta à Grécia Antiga…

Teresa: É dos Argonautas.

Caetano: O Fernando Pessoa atribui aos Argonautas e eu botei o título “Os Argonautas” por causa de Fernando Pessoa. Eu fiz para ela, ela gravou e a canção tem um pouco de fado e uma frase de “Ai Mouraria”, uma citação ao fado “Ai Mouraria”. [Começa a cantar]: “Navegar é preciso,/Viver não é preciso.” Esse é bem direto, mas há muitas coisas indiretamente ligadas a Portugal. Em “Terra” há coisas que são portuguesas”, você está certa.

https://www.youtube.com/watch?v=TYJxNisitIQ