O presidente da câmara de Loures, Bernardino Soares, decidiu — após conversar com o vereador do PSD responsável pela área — promover um jurista militante do PSD a chefe de Unidade de Serviços de Veterinário Municipal. O advogado do sindicato dos veterinários defende que o lugar tem de ser ocupado pela veterinária municipal, mas os juristas da autarquia (o gabinete jurídico é tutelado pelo outro vereador do PSD) consideram que não há nada de ilegal em ser um jurista, sem formação na área, a chefiar os serviços veterinários. PSD e CDU estão de acordo na legitimidade na escolha, numa autarquia em que o acordo de governação corresponde aquilo que a oposição chama de “vodka-laranja”: uma coligação pós eleitoral entre comunistas e social-democratas.

Mas a escolha de João Ramos Patrocíno, candidato que integra a lista do PSD à Assembleia Municipal de Loures nas próximas eleições, trata-se de um “job for the boy” ou uma promoção legítima? As opiniões dividem-se: CDU e PSD de um lado; veterinários do outro.

Tudo começou quando Bernardino Soares venceu as eleições em Loures em 2013, sem maioria, e decidiu fazer um acordo com o PSD para a câmara de Loures, de forma a garantir a governabilidade no município. Como moeda de troca pelo apoio dos sociais-democratas, os dois vereadores do PSD ganharam pelouros: Fernando da Costa ficou com o gabinete de consultadoria jurídica e Nuno Botelho com o serviço de Polícia Municipal, a unidade de Turismo e a Unidade de Serviços de Veterinário Municipal.

Embora o vereador tenha feito a proposta de nomes, a nomeação compete sempre ao presidente de câmara. O gabinete de Bernardino Soares, na resposta ao Observador, admite que “como em qualquer outro lugar de cargo dirigente a nomeação é feita pelo presidente da câmara” e explica que “esta nomeação ocorreu depois de discutida com o vereador do pelouro [Nuno Botelho] as várias hipóteses possíveis.” Porém, sugere que pode não ser uma solução que persista, embora o mandato já esteja a chegar ao fim: “Foi já aprovada em reunião de câmara o juri que permitirá o lançamento dos concursos para as chefias das unidades orgânicas do Município que ocorrerá brevemente.”

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De acordo com o boletim municipal, João Ramos Patrocínio foi nomeado a 1 de janeiro de 2016. A 4 de maio de 2017, o Sindicato Nacional dos Médicos Veterinários enviou uma carta — assinada pelo advogado da estrutura sindical, Pedro Almeida Cabral — a exigir que a unidade fosse chefiada pela veterinária municipal e não por alguém sem conhecimentos na área.

O advogado do sindicato lembra à autarquia que o decreto-Lei n.º 116/98, de 5 de Maio estabelece que o “o médico veterinário municipal é a autoridade sanitária veterinária concelhia” e que o “exercício do poder de autoridade sanitária veterinária concelhia traduz-se na competência de, sem dependência hierárquica, tomar qualquer decisão, por necessidade técnica ou científica, que entenda indispensável ou relevante para a prevenção e correcção de factores ou situações susceptíveis de causarem prejuízos graves à saúde pública”.

Na mesma carta enviada a Bernardino Soares, à qual o Observador teve acesso, o advogado defende que “os médicos veterinários municipais, enquanto autoridades sanitárias veterinárias concelhias, exercem funções de elevada responsabilidade que só podem ser desempenhadas através da chefia da respetiva unidade orgânica em cada câmara municipal, que, neste caso em concreto, é a Unidade do Veterinário Municipal da Câmara Municipal de Loures.” Ou seja, para o sindicato, “não é possível à médica veterinária cumprir integralmente os deveres de notificação de doenças de declaração obrigatória ou coordenar a participação do município de Loures nas campanhas de saneamento ou de profilaxia se não chefiar a Unidade de Serviço do Veterinário Municipal da Câmara Municipal de Loures.”

Mas o presidente pediu aos juristas do município (o gabinete é tutelado pelo vereador do PSD Fernando Costa) que elaborassem um parecer jurídico para responder ao sindicato. Esse parecer, do qual a câmara enviou um excerto ao Observador, defende a versão do executivo. A câmara explica que a questão foi “analisada internamente pelos serviços jurídicos (…) tendo-se concluído que a chefia do serviço de veterinário não ser exercida por um médico veterinário é legal pelo que foi adotada pelo município e assim se mantém”. A autarquia lembra ainda que a “interpretação vem já de mandatos anteriores onde a chefia da Unidade não era exercida por um médico veterinário”.

Os serviços da autarquia fazem uma interpretação diferente do decreto lei que estabelece o regime jurídico dos Médicos Veterinários Municipais — o tal decreto-Lei n.º 116/98, de 5 de maio, que o sindicato cita — e que recorrem à Lei dos dirigentes. Alega que a câmara e a assembleia municipal têm “autonomia e independência” para “criar uma Unidade de Serviço Veterinário, bem como a criação de cargo de direção intermédia de 3º grau para gerir aquele serviço”. Assim, para o município, “encontrando-se regulamentado e fundamentado a criação daquele serviço e correspondente cargo dirigente, não se alcança impedimento que este cargo não possa ser exercido por outro trabalhador que reúna as condições e não seja médico veterinário municipal.”

Porquê João Ramos Patrocínio?

João Ramos Patrocínio já trabalhava na câmara de Loures antes de ser nomeado chefe da Unidade de Serviço do Veterinário Municipal da Câmara Municipal de Loures, o que significou um aumento salarial. Ao longo dos anos, assumiu diversos cargos na autarquia de Loures e também em Odivelas. Já tinha sido adjunto de um vereador do PSD, João Galhardas, e também assumido cargos no tempo de Carlos Teixeira (PS). A ligação ao PSD é evidente já que — além de ser militante no PSD/Loures — é candidato pelo partido à Assembleia Municipal (é o 19º da lista).

O vereador do PSD responsável pela área, Nuno Botelho — que será o número dois de André Ventura nas autárquicas de 1 de outubro — nega ao Observador que esta seja uma escolha partidária: “Nunca o PSD, local ou nacional, me deu alguma indicação no sentido de fazer alguma nomeação de um militante do partido”.

Já o gabinete de Bernardino Soares defende-se dizendo que “a chefia em causa foi assessor direto do anterior presidente Carlos Teixeira eleito nas listas do Partido Socialista, quando este tinha maioria absoluta, e foi nomeado por este, como Presidente do SMAS, para dirigente de 2º grau”. A autarquia, liderada pela CDU, garante ainda que “no atual mandato do município de Loures não faz parte das competências a filiação partidária pelo que nenhum trabalhador é escolhido, nem é excluído por ser de um determinado partido.”

Questionado sobre se João Ramos Patrocínio tem conhecimentos na área veterinária para ocupar o cargo, o município respondeu que o social-democrata “tem as competências exigidas por lei para poder ser coordenador do serviço para além das competências obrigatórias para qualquer chefia” e que até foi “adjunto do vereador que tinha esta área atribuída no mandato de 2005/2009“.

O Observador solicitou ainda à autarquia que cedesse o currículo de João Ramos Patrocínio, o que o município recusou por este se encontrar de férias: “O chefe de unidade encontra-se ausente pelo que sem autorização do próprio tal informação não poderá ser facultada”.