Com uma mente brilhante, o fundador da empresa de sistemas de alta fidelidade com o seu nome, Amar Bose, não se limitou a trabalhar apenas o som. Pelo contrário, chegou mesmo a criar um revolucionário sistema de suspensões magnéticas, inspirado nos altifalantes, que nunca chegou a comercializar. A tecnologia foi agora adquirida por uma empresa americana, a ClearMotion Inc., que pretende finalmente colocá-la no mercado. Mas vamos por partes, que esta história não é de agora.

Amar Bose andava amargurado pelo mau desempenho das suspensões dos seus carros. O homem tinha um Pontiac de 1957, cujas suspensões pneumáticas não funcionavam nada bem, e um Citroën de 1967, que volta e meia libertava um pouco de óleo das suspensões hidráulicas. Foi aí que Bose achou que a melhor solução era pegar nos ímanes e nas bobinas electromagnéticas dos altifalantes e criar uma suspensão que funcionasse como um tapete mágico.

Em 1980, o especialista em som concebeu o modelo matemático para a suspensão, mas precisava de melhores motores electromagnéticos, amplificadores e capacidade de processamento, necessidade que, à época, ainda não estava disponível. Já para não falar que uma coisa é empurrar para dentro e para fora a ligeira membrana de um altifalante, outra completamente distinta é empurrar para cima e para baixo um carro com mais de uma tonelada…

Em 2004 foi a surpresa geral: até saltava

Para escapar ao crivo do departamento financeiro, Bose foi fazendo evoluir a sua ideia sob o nome Project Sound.

Quando já estava convencido da mais-valia da sua solução, o engenheiro decidiu realizar uma sessão de testes públicos, devidamente registados em vídeo, para tornar evidente o potencial da sua tecnologia. Lado a lado, um Porsche 911 e um Lexus LS400, com e sem suspensões Bose. Foi assim:

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Ficou demonstrado que, tal como prometido pelo mago do som, as suas suspensões (com muito de altifalante) não permitiam que o carro se inclinasse em curva, não mergulhasse nas travagens e, muito menos, levantasse a frente sob uma aceleração mais forte.

Como se isto não bastasse, a solução da Bose permitia ainda absorver qualquer buraco ou lomba como se ela não existisse, transformando o automóvel no tal tapete mágico que Amar Bose sempre imaginou. Para quem tivesse dúvidas sobre a ousadia do sistema, ou a criatividade do “pai” da ideia, a Bose dotou os modelos com a capacidade de saltar para evitar um obstáculo atravessado na via. Perante a aproximação de um carril de caminho-de-ferro, o sistema começava por flectir as suspensões (que tinham um curso de 20 cm), baixando o carro, para depois disparar tão repentinamente os motores electromagnéticos (um por roda), que levava o carro a saltar. Literalmente.

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Ideia brilhante ou fiasco?

Apesar de ter sido considerada revolucionária, esta sofisticada tecnologia nunca chegou a ser comercializada. Porquê?

Essencialmente, foram duas as razões que afastaram os diversos fabricantes que mantiveram reuniões com a Bose, da compra das suspensões tipo “tapete mágico”. Uma foi o preço, pois a solução tecnológica precisava de mais uns anos até que surgissem motores lineares mais eficazes, mais potentes, mais rápidos e, sobretudo, mais baratos, para diminuir o custo por suspensão. Dito de outro modo, apareceu cedo demais.

Ainda que o facto de ser “prematura” tivesse sido um problema, não foi por isso que as portas se fecharam para as suspensões propostas pela Bose, que poderiam, ainda assim, equipar as versões topo de gama dos modelos mais caros, um pouco à semelhança do que aconteceu com as suspensões pneumáticas ou até mesmo as hidráulicas – excepção feita para a Citroën, cujo espírito inventivo faz recordar o de Amar Bose.

5 fotos

Aquilo que verdadeiramente pôs em suspenso o futuro das suspensões da Bose foi o excesso de peso. Comparada com uma suspensão convencional, com molas helicoidais e amortecedores telescópicos, o sistema de amortecimento inventado pelo homem do som pesava mais 23 kg por roda. Não prejudicava o comportamento da suspensão, nem a sua eficácia, pois estamos sempre a falar de massa não suspensa. Mas obrigava a que cada modelo que recorresse ao material da Bose acusasse mais quase 100 kg na balança do que a concorrência. O que é mau para os consumos, emissões e, no limite, até para o comportamento em curva e distâncias de travagem.

Na suspensão da Bose, não há molas nem amortecedores. Apenas ímanes, bobinas e motores electromagnéticos lineares

Amar percebeu que necessitava de energia eléctrica em grandes quantidades e, em 1980, apenas podia recorrer a um amplificador para alimentar os quatro motores lineares electromagnéticos. Hoje, passados 37 anos, há as baterias a 48V, que vão tornar tudo mais simples e já permitem que o Bentley Bentayga tenha um sistema de barras estabilizadoras activas, com um motor por cada eixo, ou que o Audi A8 ofereça o sistema de suspensão activa mais sofisticado e eficaz do momento, com um motor por roda e com a maioria das potencialidades da Bose.

Da suspensão para o banco

Se apesar do brilhantismo, a suspensão nunca encontrou clientes, já o mesmo não se pode dizer do outro produto baseado no mesmo princípio idealizado por Omar Bose: o banco de condutor de camião. Destinado a diminuir as forças aplicadas no corpo dos profissionais que passam dias aos comandos dos veículos pesados de grande porte, o assento da Bose não dá música, mas é uma melodia para os ossos e cartilagens dos condutores de longo curso.

Até a Bose aparecer com o seu assento mágico, o melhor que havia no mercado eram os bancos com suspensão pneumática, que absorviam grande parte das vibrações e esforços. Mas não o suficiente para os profissionais do sector – mais cedo ou mais tarde, a braços com graves problemas nas costas. O Bose Ride Seat vem equipado com uma série de sensores que detectam os movimentos verticais, informando o motor linear electromagnético que se dedica a contrariar o movimento, anulando-o quase na totalidade.

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O banco é proposto por 3.700 dólares, com a Bose a garantir que absorve 97% das pancadas que, com o tempo, deformam a coluna dos condutores, especialmente daqueles que conduzem veículos com maior capacidade de carga e que, por isso mesmo, recorrem a suspensões mais duras.

Qual o interesse da ClearMotion Inc.?

Fundada em 2008, a Levante Power Corporation era uma empresa fornecedora de componentes para a indústria automóvel, que mudou de denominação em Janeiro de 2017, já a pensar num novo tipo de negócio. O objectivo era conceber um chassi que facilmente se adaptasse à nova geração de veículos eléctricos e autónomos que estão aí ao virar da esquina, muitos deles a apreciar uma atitude menos conservadora em relação às diversas partes do automóvel, a começar pelas suspensões.

Rebaptizada ClearMotion Inc., os seus responsáveis adquiriram no final de 2017 tudo o que existia da Bose Suspensions e da Bose Ride Seat à empresa americana sediada no Massachusetts e especialista em Hi-Fi, que ao longo de quase quatro décadas terá investido mais de 100 milhões de dólares nos dois projectos.

Nas mãos dos novos donos, a suspensão inovadora deverá rapidamente chegar ao mercado, ainda que com ligeiras alterações – fruto das soluções tecnológicas entretanto disponíveis – que a tornem mais barata e leve, o que pode ser facilmente conseguido com a introdução das novas baterias a 48V, que garantem quatro vezes mais potência, face às tradicionais de apenas 12V.

Sem abrir muito o jogo, a ClearMotion afirmou já que pretende ir para além das actuais suspensões reguláveis ou adaptativas tradicionais, e prescindir por completo das habituais molas e amortecedores. E conta com os sistemas que adquiriu à Bose para alcançar esses objectivos, tornando-se numa das maiores empresas do sector. Tanto mais que, acredita o seu CEO, Shakeel Avadhany, os utilizadores de veículos autónomos vão ser muito mais exigentes no que respeita ao conforto, o que vai exigir soluções mais sofisticadas como as desenvolvidas por Amar Bose há 37 anos, e que finalmente podem ver a luz do dia.