Com a Segunda Guerra Mundial como pano de fundo, a 18 de Abril de 1951 foi assinado o Tratado que instituiu a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (TCECA), o qual tinha como objectivo tornar interdependentes os referidos sectores. Desta forma, um país não poderia mobilizar as suas forças armadas sem que os restantes tivessem conhecimento, dissipando, assim, a desconfiança e a tensão existentes entre os países europeus depois daquele marcante acontecimento bélico.

Desde então que a integração dos países europeus tem sido feita passo-a-passo, numa lógica de pequenos mas sólidos avanços na integração europeia, a qual tem assumido preponderância e importância ao ponto de, nos dias de hoje, utilizarmos uma moeda única, comum a 19 Estados-Membros da União Europeia (UE) e mais de 320 milhões de pessoas, coisa seguramente impensável em 1951.

Essencial no processo de integração europeia são as quatro liberdades fundamentais do mercado interno, estabelecidas no Tratado de Roma, nomeadamente a liberdade de circulação de pessoas, a qual visa permitir que qualquer cidadão europeu tenha a possibilidade de se estabelecer em qualquer Estado-Membro. Embora com objectivos ambiciosos, a sua estipulação no Tratado fundador da UE não foi suficiente para abolir controlos nas fronteiras. Por isso, com o objectivo de os suprimir gradualmente e instaurar um regime de livre circulação para todos os nacionais dos Estados signatários, o Acordo de Schengen foi assinado em 1985 pela Alemanha, Bélgica, França, Luxemburgo e Holanda. Com a adesão de outros países, o espaço Schengen foi alargando, contando actualmente com quase todos os Estados Membros da UE (com excepção de Bulgária, Croácia, Chipre, Irlanda, Roménia e Reino Unido) e alguns não-UE (Islândia, Noruega, Suiça e Liechtenstein).

Contudo, por vezes sucedem determinados acontecimentos que abalam o avanço na harmonização e aproximação entre os Estados-Membros. Os incidentes ocorridos no dia 7 de Janeiro de 2015, em Paris, são disso apenas um exemplo, recordando-nos da vulnerabilidade em que se encontram as sociedades ocidentais a ataques terroristas. Eventos desta natureza produzem dois efeitos principais: em primeiro lugar, disseminam uma sensação de insegurança nos cidadãos, precisamente porque nos confrontam com a exiguidade da vida humana, colocando em causa valores universalmente reconhecidos e respeitados. Em segundo lugar, são idóneos a justificar comportamentos nacionalistas nos Estados, em especial nos da União Europeia os quais, apesar da perda crescente de soberania, permanecem com fronteiras bem vincadas no que diz respeito à nacionalidade e à cultura.

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Não é necessário recuar muitos anos para percebermos que isto sucede, mesmo em questões de menor importância relativa. Efectivamente, durante o período de tempo mais agudo da crise da zona euro assistiu-se a uma profunda divisão entre países do norte e do sul, temendo-se a possibilidade da sua desagregação bem como o fim da moeda única europeia. De facto, quantas vezes não foram proferidas declarações de responsáveis políticos dizendo que Portugal não se podia comparar com a Grécia? Ou de responsáveis irlandeses, descartando semelhanças com os restantes países sob programa de assistência económica e financeira?

A possível revisão das disposições do acordo Schengen no sentido de reintroduzir controlos fronteiriços internos, recentemente avançada pela UE e seus Estados-Membros para efeito de combate ao terrorismo, constituirá mais uma manifestação da tendência nacionalista de cada Estado que não será aconselhável, precisamente por contrariar a lógica de liberdade de circulação no mercado interno europeu e por comportar algumas concepções pouco rigorosas. Com efeito, conceber o terrorismo como um problema do foro de cada Estado-Membro individualmente considerado, concluindo que cada um deles estará mais seguro se reintroduzir algum controlo nas suas fronteiras, não corresponderá à verdade: atentando bem, os crimes recentemente praticados em França foram executados por cidadãos franceses e os atentados perpetrados no metro londrino, em 2005, ocorreram num país que, apesar de ser membro da UE, não faz parte do espaço Schengen. Daqui é possível concluir que, por um lado, a reintrodução de controlo nas fronteiras internas padece de ineficácia. Por outro lado, uma vez que ao nível nacional os resultados obtidos não são os desejados, será razoável considerar que existe espaço para que o combate ao terrorismo seja efectuado no plano europeu e não resulte da mera soma das autoridades de cada Estado-Membro, mesmo que coordenadas por agências europeias.

Adicionalmente, se estabelecermos uma comparação com os Estados Unidos da América, verificamos que este constitui um exemplo de um país que adopta uma abordagem totalmente diferente a este respeito: apesar de serem tão ou mais afectados com atentados terroristas, não só não optam por limitar a circulação das fronteiras inter-estaduais como possuem vários organismos de natureza federal para lidar com este tipo de problemas, os quais assumem atribuições que não se comparam com as agências europeias criadas para o mesmo efeito.

Por fim, a história ensinou aos europeus que a paz é mais facilmente alcançada e mantida com unidade, pelo que não deverão os ataques terroristas fazer-nos perder o foco da “big picture” fazendo-nos enveredar por soluções de enviesado e egoístico interesse nacional.

Jurista, mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra