Os momentos em que percebemos que temos razão são raros, e são por isso muitas vezes celebrados como um triunfo. Nessas alturas é comum o sentimento de que o destino pôs as coisas em pratos limpos e se encarregou de restabelecer a hierarquia certa entre nós e as outras pessoas. É também nessas alturas que se manifesta a inclinação para anunciar as nossas vitórias de modo vitorioso, como um perú que incha o peito, ou um matemático que acrescenta ‘Q.E.D.’ a uma demonstração.

Não será um crime, mas é um erro, e por vários motivos. Alguns são apenas prudenciais: a expressão triunfante dos nossos triunfos tem o efeito indesejado de propiciar represálias. Ocupados em celebrar as nossas vitórias tendemos a prestar pouca atenção aos ofendidos. Acontece que os ofendidos não são normalmente dados à gratidão; têm tendência para não fazer o que seria digno e justo.

Mesmo que não atraia más companhias, um peito inchado pode muitas vezes atrair comédia e irrisão. Há no público uma tendência para rir das opiniões que temos sobre os nossos triunfos. Não prestarão atenção ao seu conteúdo e farão troça do nosso tom. As outras pessoas são normalmente hostis ao zelo com que sublinhamos os nossos feitos. Por outro lado, todos os que alguma vez tiveram razão sabem que existe um tom de exagero e alarme nas expressões de contentamento dos vencedores; é o tom daqueles que lembram constantemente aos outros aquilo que já tinham dito. Os vencedores parecem precisar de vencer.

Dizer que temos razão é supérfluo como a entrega de uma aposta depois do prazo regulamentar; e diminui o triunfo como um par de saltos altos. Se as nossas razões são boas, ou as nossas demonstrações concludentes, dizê-lo depois de as termos exposto equivale a semi-admitir que podem beneficiar de acrescentos que não serão nem razões nem demonstrações. Ora a nossa razão não pode consistir em dizer que temos razão; ter razão não é uma razão adicional que temos: é apenas uma opinião que os outros poderão vir a ter sobre as razões que demos, depois de as considerarem ou avaliarem.

É provável que as coisas supérfluas e contraproducentes que é habitual fazer quando temos razão indiquem factores que não controlamos, e que excedem em muito as nossas razões, ou o facto de precisarmos de as ter. Esse factores não anulam de modo algum a diferença entre ter razão e não ter razão; mas lembram que a posição daquele que gosta de sublinhar que tem razão costuma ser precária. Ninguém perceberia uma pessoa que à saída da caixa do supermercado explicasse aos transeuntes que tinha acabado de pagar a conta: quem sai pela caixa normalmente já pagou a conta. Ter razão é como pagar a conta: se não pagámos, não temos; se já pagámos, escusamos de anunciar.

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