Este ano, as comemorações do Dia de Portugal decorrem na cidade da Guarda, onde Cavaco Silva antecipou alguns dos temas que poderão marcar o discurso oficial desta terça-feira. Nos últimos dois dias, o Presidente da República realçou as potencialidades do interior, algo que fez em anos anteriores, e recordou que é fundamental evitar os “erros passados para que no futuro as gerações seguintes não tenham de fazer os mesmos sacrifícios”. Os sacrifícios e o realce das potencialidades do interior não são novidade no discurso do chefe de Estado. Além destes temas, em discursos anteriores, Cavaco Silva faz questão de manter a esperança dos portugueses face à situação nacional. Mas nem sempre foi assim: também houve críticas duras no 10 de junho.

“Esperança é a palavra”

Segunda-feira, 15 de setembro de 2008. Um dos maiores bancos de investimento dos Estados Unidos entra em colapso e torna-se o protagonista da maior falência da história norte-americana. O Lehman Brothers não resistiu à crise no mercado de crédito imobiliário de alto risco (“subprime” em inglês) e, no terceiro trimestre de 2008, perdeu cerca de 3,9 mil milhões de dólares, quase 3 mil milhões de euros. Um ano depois, a crise que nasceu na América do Norte chegava a Portugal e passou a ser obrigatória na agenda de qualquer político. Cavaco Silva não foi exceção.

Em Santarém, no discurso  do 10 de junho de 2009, a poucos meses de eleições autárquicas e legislativas, o Presidente da República refletiu sobre a crise financeira, considerando que o país poderia fazer do “tempo de provação um tempo de esperança”.

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“As comemorações do 10 de junho representam, antes de mais, uma manifestação de fé e confiança nas capacidades do povo português, tantas vezes demonstradas ao longo dos tempo. Capacidade para resistir em momentos adversos e defender a integridade do território e a independência nacional”.

Para o chefe de Estado, o país encontrava-se numa situação económica e financeira “sem precedentes nas últimas décadas”. No seu discurso, Cavaco Silva decidiu apelar à confiança dos portugueses: “Somos capazes de vencer, mesmo perante os maiores desafios ou as piores adversidades”.

“A história demonstra que, dos tempos de profundas dificuldades, sempre emergiram vencedores: os que souberam agir com determinação, sentido estratégico e capacidade de mobilizar esforços e vontades. Portugal pode ser um dos vencedores. (…) Portugueses, não podemos deixar-nos abater pelo desalento. Portugal soube sempre encontrar a forma de vencer as dificuldades que conheceu ao longo da sua história (…). Esperança é a palavra”.

Tal como em 2009, a mensagem do chefe de Estado em 2012, em Lisboa, foi de esperança, embora cautelosa. Cavaco Silva apontou alguns “sinais que nos permitem ter esperança no futuro”, mas não deixou de lado uma advertência à grande dependência externa do país, numa altura em que Portugal estava no segundo ano do programa de ajustamento.

“Nada está garantido, até porque é grande a nossa dependência do exterior, mas alguns indicadores permitem-nos ter esperança de que a recuperação económica pode ser uma realidade não muito distante”.

Apesar da situação do país, e tal como em 2009, o Presidente da República enfatizou a certeza de que não só Portugal, mas toda a Europa, sairiam vencedores da crise financeira.

“Estou firmemente convicto de que, como sempre sucedeu até aqui, o espírito europeu irá triunfar. Pela nossa parte, estamos a fazer um esforço muito sério e responsável para honrar os compromissos assumidos perante as instituições internacionais que, num momento crucial, realizaram os empréstimos essenciais para assegurar as necessidades imediatas de financiamento da nossa economia”.

Avisos à tripulação

No discurso de 2010, em Faro, o Presidente da República abandonou o tom esperançoso e não poupou nas palavras sobre a situação do país, descrevendo-a como “insustentável”. Num altura em que José Sócrates ainda era primeiro-ministro, Cavaco Silva considerou que os sacrifícios dos portugueses foram inevitáveis e pediu uma repartição justa e equitativa. Mas, “mais do que isso, [os sacrifícios] têm de possuir um sentido claro e transparente, que todos compreendam”.

“Como avisei na altura devida, chegámos a uma situação insustentável. Pela frente, temos grandes trabalhos, enormes tarefas, inevitáveis sacrifícios. Mas não foi com o desalento que se construiu Portugal. Não foi o desânimo que nos levou à Índia. (…) Não se podem pedir sacrifícios sem se explicar a sua razão de ser, que finalidades e objectivos se perseguem, que destino irá ser dado ao produto daquilo de que abrimos mão. Quanto mais se exigir do povo, mais o povo exigirá dos que o governam”.

O Presidente da República apelou ainda a um contrato de coesão nacional, que considerou ser “um dos nossos bens mais preciosos” e “a capacidade de, em momentos difíceis, juntarmos esforços em torno daquilo que é verdadeiramente essencial”.

“No contrato de coesão nacional que temos de estabelecer, transversal à sociedade portuguesa, cabe especial responsabilidade aos agentes políticos, aos governantes, aos deputados, aos autarcas de todo o país. Este é o tempo de fazer um esforço suplementar para concertar posições e gerar consensos”.

Em 2011, o ambiente que se vivia cinco dias depois das eleições legislativas antecipadas que ditaram o fim do Governo socialista de José Sócrates com a vitória do PSD levou a uma intervenção mais contida por parte do Presidente da República. Foi a primeira vez que as celebrações do Dia de Portugal ocorreram numa capital de distrito do interior do país, Castelo Branco. Cavaco Silva focou o seu discurso na questão da agricultura e propôs um “repovoamento agrário do interior”. Focando em especial a questão do despovoamento, “um dos grandes problemas nacionais”, o chefe de Estado disse justificar-se “um incentivo especial das políticas públicas a favor das empresas que se fixam e criam riqueza” no interior do país.

Apesar do foco na agricultura, Cavaco Silva não deixou de lado um aviso sobre a situação nacional: “Não podemos falhar”.

“É Portugal inteiro que tem de se erguer nesta hora decisiva. Um tempo de sacrifícios, de grandes responsabilidades. Não podemos falhar. Os custos seriam incalculáveis. Assumimos compromissos perante o exterior e honramo-nos de não faltar à palavra dada”.

No ano seguinte, em Lisboa, a mensagem também foi de esperança, embora cautelosa, com Cavaco Silva a apontar “sinais” que permitiam ter confiança no futuro.

Contudo, advertiu: “Nada está garantido, até porque é grande a nossa dependência do exterior, mas alguns indicadores permitem-nos ter esperança de que a recuperação económica pode ser uma realidade não muito distante”.

O desemprego ocupou lugar de destaque no discurso de 2012, com o chefe de Estado a instar as autoridades portuguesas e europeias a colocarem o problema no “topo das prioridades”.

O CENÁRIO DO PÓS-TROIKA

Foi no final do seu discurso em 2013, em Elvas, que Cavaco Silva falou sobre o futuro que se “avizinhava” e lançou alertas sobre a urgência de preparar o período pós-troika. “Independentemente de quem seja Governo”, os desafios “serão tão grandes que é necessário começar a antecipá-los”.

“Desenganem-se os que pensam que o pós-troika é longínquo. Pelo contrário, o futuro avizinha-se e, independentemente de quem seja Governo, os desafios serão tão grandes que temos de começar, desde já, a antecipá-los e a prepararmo-nos. E a prepararmo-nos bem, para podermos ter sucesso”.

Salientando que, na fase do pós-troika, Portugal ficaria inteiramente dependente da confiança dos mercados e dos investidores para assegurar o financiamento do país, Cavaco Silva sustentou que as perspetivas de crescimento económico dependerão “criticamente do consenso social” que se conseguir preservar e do “compromisso quanto às linhas de rumo do país, num horizonte temporal de médio prazo, que às forças políticas compete estabelecer”. “Esta é uma questão decisiva para o nosso futuro coletivo”, concluiu no ano passado.