O pequeno brasileiro já andava. Às vezes fazia batota e voltava a gatinhar. De resto, cambaleava e, pelo meio, caía ao chão, mas andava. Começava a soltar sons que já se pareciam com palavras. O bebé ia-se tornando criança. Já era tempo – afinal, Neymar tinha dois anos. Enquanto tudo isto acontecia, Farid Mondragón arrumava alguma roupa, uns pares de luvas e umas chuteiras na mala antes de ir para o aeroporto. Na mão, um bilhete. O destino, os EUA.

Quando Neymar nasce, em 1992, em Mogi das Cruzes, arredores de São Paulo, Mondragón já dava nas vistas pelas poucas bolas que deixava entrar na baliza. Dois anos depois, são essas vistas que o levam a Buenos Aires. Chega ao Argentinos Juniors. É lá que recebe a notícia – aos 23 anos, o guarda-redes colombiano estava convocado para o Mundial de 1994.

Entrou no avião, aterrou, mas não jogou. A Colômbia faz três jogos nos EUA e em todos eles Mondragón fica sentado no banco. A vida continua. A de Neymar também. Em 1998, o brasileiro tem seis anos e já não larga a bola. Tem-na debaixo do pé na escola, nas ruas e em casa. Já é o brinquedo preferido. E Farid Mondragón já é titular. A Colômbia volta a chegar a um Mundial, o de França, e o guarda-redes preferido é ele.

Volta a estar em três jogos. Desta vez no relvado, entre os postes. Derrota, vitória e derrota, e pronto. O último encontro, frente à Inglaterra, é especial. Mondragón sofre dois golos (2-0), mas defende, defende e defende para evitar que os ingleses encham a barriga com os colombianos. “Andei numa escola britânica e, quando os dois hinos nacionais tocaram no jogo contra a Inglaterra, senti algo muito especial porque já os conhecia desde muito novo”, diria mais tarde.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Voltava a dar nas vistas. O ‘El Turco’ – alcunha que lhe é colada desde novo devido à sua ascendência libanesa – começa a ser desejado do lado de cá da banheira atlântica. Em 1999, é o Zaragoza que o rouba ao Independiente. Fica um ano. Volta ao clube argentino e depois regressa à Europa, agora ao Metz, em 2001. Segue-se o Galatasaray. E durante seis épocas (2001-2007) a alcunha bate certo com o país em que está. “Foram provavelmente os melhores anos da minha carreira”, confessa.

Talvez. Conquista dois campeonatos turcos. O primeiro em 2002, ano do Mundial repartido entre o Japão e a Coreia do Sul, onde a Colômbia não consegue chegar. Passa um ano e, no Brasil, o Santos suspeita ter encontrado ouro – aos 11 anos, entra nas suas escolas o menino, o moleque Neymar. Os anos passam. Em 2006, outra liga turca para Mondragón, outra ocasião em que os colombianos ficam em terra e não viajam para a Alemanha, onde se realiza o campeonato do mundo. Farid está com 35 anos.

Mas desafia-os. A idade cresce, as rugas acompanha-na e os jogos com luvas nas mãos também. Em 2007 sai de Istambul e só larga as malas em Colónia, na Alemanha. Quando, em março de 2009, os 17 anos de Neymar se estreiam pelo Santos, Mondragón tenta aguentar a seleção colombiana na corrida pela qualificação ao Mundial da África do Sul. Volta a não conseguir. E, em 2010 – quando Neymar se estreia pela seleção do Brasil -, o campeonato do mundo chega à ponta do continente africano sem os 39 anos do guardameta sul-americano.

Chega de tentativas, não? Mondragón responde. Em 2011 opta por aventurar-se. Vai para a Major League Soccer, nos EUA. É lá que está quando a arranca a corrida para chegar ao Brasil. “É complicado. Os jogadores vêem, alguns viajam muito, estão três, quatro dias e nada mais. Têm que adaptar-se a diferentes climas, altitudes distintas e diferentes fatores extrafutebolísticos”, diz ao Clarín, quando descreve o que é passar por uma fase de qualificação. Afinal, é a quem sabe que se devem dirigir as perguntas – com a luta por chegar ao Brasil, Mondragón passou a ser o jogador com mais participações em fases de apuramento para Mundiais (seis).

É difícil. Mas no fim, 16 anos volvidos, a Colômbia consegue – fica em segundo da fase do apuramento e reserva o seu lugar no Mundial do Brasil. Depois de Valderrama, Asprilla e Aristizabal, a geração de Falcao, James Rodríguez, Guarín ou Cuadrado devolvia o país a um campeonato do mundo. Só faltava saber de Farid Mondragón ainda cabia aqui. “Seria terminar a minha carreira com uma medalha de ouro”, assegurava o guarda-redes. Semanas depois, a confirmação – era um dos convocados para o Mundial 2014.

Uma vez lá chegado, Mondragón pode confirmar outra coisa. Se jogar, tornar-se-á no homem mais velho de sempre a fazê-lo, superando o recorde de Roger Milla que, em 1994, apareceu (e marcou um golo) com os Camarões, aos 42 anos e um mês de idade. A 21 de junho, Farid comemorará o seu 43.º aniversário. “As únicas pessoas que não gostam que lhes perguntem a idade são as mulheres, mas, a cada dia que passa e me perguntam, digo-o com cada vez mais orgulho”, explicou, assim que se soube da sua ida ao Brasil.

Será o terceiro Mundial para o guarda-redes e o primeiro de Neymar. Um com 43 anos, o outro com 22. Com a chamada à seleção, o colombiano já conseguiu um recorde – nunca tanto tempo (20 anos) separou um jogador do seu primeiro e último campeonato do mundo. Depois, virá o adeus. “Vou anunciar a minha retirada após o Mundial”, garantiu Mondragón, no Twitter. Nenhum dos outros 22 colombianos já esteve numa prova destas. “Não haverá um único momento fácil, vai-nos custar muito, a todos, mas é aqui que se faz história”, indicou o guardião.

A história que Neymar também espera alcançar. O tal moleque, o menino que se transformou na jóia que um país quer ver brilhar para, finalmente, vencer um Mundial do qual é anfitrião. Na primeira tentativa, em 1950, perdeu na decisão com o Uruguai, e já não levanta uma Copa desde 2002 – quando Neymar chegava à década de vida e Mondragón falhava o segundo Mundial seguido. É preciso repetir tudo?