Os problemas financeiros no Grupo Espírito Santo (GES) foram tornados públicos há menos de dois meses, mas foi na quinta-feira, 1o de julho, que a questão ganhou dimensão global, afetando os mercados de ações e obrigações em todo o mundo. Pela primeira vez, as dificuldades sentidas pelo principal acionista de um banco português criaram receios de contágio à escala mundial, fazendo cair a cotação dos títulos nos mercados acionistas e subir os juros da dívida soberana de todos os países da periferia do euro: Portugal, Espanha, Itália e Grécia.

Na sexta-feira, depois de esclarecimentos prestados pelo Banco Espírito Santo (BES) sobre a sua exposição ao GES, cuja ‘holding’ Espírito Santo Financial Group (ESFG) é o principal acionista, com 25%, o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, e o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, ‘meteram água na fervura’ e garantiram que o banco está sólido e que os depositantes podem estar tranquilos.

A reação dos investidores não se fez esperar e, na sexta-feira, os mercados bolsistas acalmaram, depois das quedas generalizadas de quinta-feira. “Depois de um dia conturbado no meio do pânico em torno do banco português e dos potenciais efeitos de contágio, os mercados hoje estiveram calmos”, afirmou no fecho da sessão David White, analista da Spreadex, citado pela agência de informação financeira Bloomberg.

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A ESFG anunciou pela manhã a suspensão da negociação de ações e obrigações da empresa em Lisboa e no Luxemburgo. Em comunicado enviado à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), a empresa explica que a decisão foi tomada devido “a dificuldades materiais em curso”, especialmente do seu maior acionista Espírito Santo Internacional (ESI). A ESFG decidiu assim suspender as ações – incluindo as obrigações emitidas pela sua subsidiária Espírito Santo Financière – na sequência da sua exposição à ESI.

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Os receios em torno da solidez financeira do GES tornaram-se mais fortes depois de ter sido noticiado que a subsidiária Banque Privée Espírito Santo estava em incumprimento no reembolso a alguns clientes que tinham aplicações em dívida. Foi também noticiado que a ESI está a avaliar um pedido de insolvência, num cenário que poderá avançar se a empresa não conseguir chegar a um acordo com os principais credores.

Isto depois de a agência de ‘rating’ Moody’s ter baixado na quarta-feira em três níveis a nota da ESFG, de B2 para Caa2. A Moody’s justificou o corte de ‘rating’, que já estava fora da escala de investimento (‘lixo’), com a subida do risco de crédito do ESFG face às empresas ESI e Rioforte, que não são avaliadas pela agência.

A meio da sessão bolsista, o supervisor deliberou a suspensão da negociação das ações do BES até “à divulgação de informação relevante sobre o emitente”. Quando foi determinada a suspensão da negociação dos papéis do BES, estes caíam já cerca de 17%. A meio do dia, os analistas atribuíram a queda generalizada das bolsas europeias à situação no GES, tal como a subida nos juros da dívida soberana de Portugal e restante países da periferia da Europa no mercado secundário.

Os juros da dívida portuguesa continuavam a subir em todos os prazos e, perto das 14:00, no prazo a 10 anos tocavam os 3,926%. Já o PSI 20 estava a cair cerca de 4%, com todos os títulos no vermelho, já depois de suspensas as ações do BES e do ESFG.

Na Europa, as principais praças bolsistas seguiam no ‘vermelho’, com destaque para as da periferia, com Madrid a cair 2,74% e Milão 2,53%. Já Paris recuava 1,88%, Frankfurt 1,67% e Londres 0,93%. A tendência de queda manteve-se até ao fecho da sessão.

Ao final da tarde, o Banco de Portugal voltou a afirmar que o BES está sólido e, ao início da noite, a CMVM proibiu a venda a descoberto de ações do BES durante o dia de hoje. Já na semana anterior, a CMVM tinha proibido a venda a descoberto de ações do banco. Pela mesma hora, o presidente do Banco BPI, Fernando Ulrich, disse num evento em Lisboa que os problemas que vive o GES são um “abscesso” no percurso que Portugal está a fazer para reconquistar a credibilidade internacional e voltar ao crescimento económico.

O presidente do BPI criticou ainda a forma como o GES geriu a divulgação de informação sobre os problemas que atravessa, considerando que o “desastre” ao nível da comunicação criou uma “tempestade perfeita”. Certo é que os principais índices norte-americanos encerraram a sessão em baixa, com os problemas no GES em grande destaque, o que contribuiu para ampliar a discussão internacional sobre a questão, que foi manchete das edições ‘online’ das principais publicações económicas europeias e norte-americanas.

Quando faltavam cinco minutos para a meia-noite, o BES emitiu o comunicado que o mercado aguardava, garantindo que as potenciais perdas resultantes da exposição ao GES “não põem em causa o cumprimento dos rácios de capital”. No texto, o BES explicitou que detinha 2,1 mil milhões de euros acima do rácio mínimo regulamentar e uma exposição de 1,182 mil milhões de euros ao GES. A instituição comprometeu-se ainda “a não aumentar a exposição total ao GES”.

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Logo pela manhã, a Comissão Europeia disse acreditar que o sistema financeiro português tem atualmente capacidade para gerir de “forma atempada e eficaz” problemas como a crise que afeta o GES. Numa declaração à Lusa, Simon O’Connor, porta-voz dos Assuntos Económicos, referindo-se aos problemas em torno do Grupo Espírito Santo, ressalvou que “a Comissão não comenta instituições financeiras em específico”, mas sublinhou que “o sistema financeiro português foi significativamente reforçado nos últimos anos, através de recapitalização, apoio à liquidez por parte do Banco Central Europeu, e reforço da supervisão prudencial”. “Deste modo, estamos confiantes em que quaisquer problemas no sistema irão ser geridos de uma forma atempada e eficaz”, afirmou o porta-voz.

Os principais jornais económicos europeus noticiaram nas suas edições em papel os problemas que vive o GES e o impacto que os mesmos tiveram nos mercados na véspera. O Banco de Portugal veio a público descansar os depositantes do BES, assegurando que estes “podem estar tranquilos”.

Pouco depois, o primeiro-ministro reforça a convicção de que os depositantes do BES estão protegidos. Pedro Passos Coelho lançou ainda um apelo ao GES para negociar com os seus credores para minimizar eventuais incumprimentos e afastou a necessidade de uma intervenção estatal no grupo. A meio da manhã, a CMVM levantou a suspensão da negociação das ações do BES.

Depois de Passos Coelho, é a vez do ministro da Defesa Nacional, José Pedro Aguiar-Branco, defender que é necessário passar aos portugueses e aos depositantes do BES a mensagem de que está a instituição bancária não está em causa. A associação de utilizadores de serviços bancários Apusbanc revelou que está a receber um número crescente de pedidos de aconselhamento de clientes do BES, ressalvando que, “no momento”, não há motivos para pânico.

A meio da tarde, saiu a calendarização oficial da Assembleia da República que agenda as audições no parlamento da ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, e do governador do Banco de Portugal (BdP), Carlos Costa, devido à situação no GES, para quinta-feira e sexta-feira da próxima semana, respetivamente.

Fecharam os mercados europeus e, depois de fortes quedas nos últimos dias, o principal índice da bolsa portuguesa encerrou a sessão de a avançar 0,62% para 6.142,87 pontos, em linha com a Europa. Porém, os títulos do BES voltaram a afundar no regresso à negociação, baixando 5,50% para 0,481 euros, a maior queda da sessão. De seguida, a CMVM estendeu a proibição de vendas a descoberto das ações do BES por mais dois dias úteis.

A Moody’s anunciou o corte do ‘rating’ da dívida de longo prazo do BES em três níveis, para B3, e baixou também a nota atribuída aos depósitos de longo prazo do banco em dois níveis, para B2. A agência de notação financeira justificou a decisão com preocupações sobre a capacidade de crédito do banco, as quais foram agravadas pela “falta de transparência em relação à autonomização do BES” em relação à ESI.

Ao final da tarde, a ESFG revelou que vai propor aos acionistas do banco a cooptação de José Honório, ex-presidente da Portucel, para o cargo de membro do Conselho de Administração. Esta proposta tem em vista “reforçar a independência do Conselho de Administração do BES”, de acordo com o comunicado do ESFG. No passado sábado, a ESFG anunciou que vai propor o economista Vítor Bento para presidente executivo do BES e João Moreira Rato para administrador financeiro.

Se as propostas forem ratificadas na assembleia-geral do banco, marcada para 31 de julho, o atual presidente da SIBS (entidade que gere o Multibanco) vai passar a liderar o BES, substituindo no cargo o histórico Ricardo Salgado, enquanto o presidente do Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público (IGCP), João Moreira Rato, passará a ocupar o lugar de Amílcar Morais Pires, que chegou a ser um dos nomes apontados para suceder ao histórico líder do BES.

Esta noite, a agência de notação financeira Moody’s anunciou que mantém a possibilidade de subir a nota da dívida pública portuguesa, por considerar que os problemas do BES não devem ameaçar a melhoria da situação macroeconómica do país.