O assassinato do jornalista norte-americano James Foley nas mãos dos jihadistas do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL) criou uma enorme onda de polémica. Para lá da ação em si, mais do que condenável, porquê, em vez de execução sumária por fuzilamento, a tamanha barbárie de degolar alguém? Na terça-feira, passadas duas semanas do anúncio do assassinato de James Foley, foi publicado um novo vídeo com a execução de Steven Sotloff. O método foi o mesmo. Os jihadistas, conta o jornal ABC, utilizam a decapitação para matar os jornalistas por razões rituais e não para poupar munições.

Especialistas na comunidade muçulmana referem que o Corão, livro sagrado do islão, não fala expressamente sobre a pena de morte por decapitação. Quanto muito, numa interpretação extremista, estabelece a regra do “olho por olho, dente por dente”, o que só iria abrir a possibilidade de utilizar uma faca ou espada na execução caso os jornalistas as tivessem utilizado antes. De acordo com os teólogos consultados pelo jornal espanhol, Maomé “só permite expressamente a mutilação de membros de ladrões.” A decapitação de alguém, não seria uma norma estabelecida pelo Corão, mas sim uma prática islâmica baseada num “hadith”, uma tradição.

Mas nem todas as opiniões são consonantes. Alguns especialistas na comunidade islâmica afirmam que a execução por decapitação é uma prática presente no mundo muçulmano desde o século VII. Porém, assumem que utilizar esta técnica no século XXI quando o resto do mundo civilizado abandonou-a há muito tempo, o que corresponde a uma leitura sem dúvida radical e fundamentalista do islão.

Numa interpretação literal e deturpada do Corão, algumas passagens podem apontar para a prática de decapitação contra os não crentes, referem. Por exemplo, a passagem do capítulo cinco, versículo 33:

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“O castigo, para aqueles que lutam contra Deus e contra o Seu Mensageiro e semeiam a corrupção na terra, é que sejam mortos, ou crucificados, ou lhes seja decepada a mão e o pé opostos [mão direita e pé esquerdo], ou banidos. Tal será, para eles, um aviltamento nesse mundo e, no outro, sofrerão um severo castigo. “

Ou nas seguintes passagens: 8:12 (E de quando o teu Senhor revelou aos anjos: Estou convosco; firmeza, pois, aos fiéis! Logo infundirei o terror nos corações dos incrédulos; decapitai-os e decepai-lhes os dedos!) e 47:4 (E quando vos enfrentardes com os incrédulos, [em batalha], golpeai-lhes os pescoços, até que os tenhais dominado, e tomai [os sobreviventes] como prisioneiros).

O facto de a Arábia Saudita, um dos países com mais lugares sagrados do islão, utilizar de forma regular a execução por decapitação nas suas praças públicas é uma prova do caráter ritualístico e, presumidamente, religioso desse método, escreve o ABC. As execuções por decapitação são marcadas, em Riade, para as sextas-feiras após as orações principais da semana na mesquita.

Apesar de a identidade ainda estar por confirmar oficialmente, tudo indica que o próximo indivíduo na lista para ser decapitado seja um britânico, de acordo com o anúncio feito pelo Estado Islâmico do Iraque e do Levante. A grande maioria dos jornais internacionais confirma esta informação. Já as manchetes desta quarta-feira são dedicadas ao jornalista Steven Sotloff.

Steven desapareceu em agosto de 2013 enquanto cobria acontecimentos na Síria para as revistas Time e Foreign Policy. Tinha 31 anos. De acordo com a AFP, a família Sotloff já tem conhecimento do vídeo e “está de luto”.

O New York Times conta que, no vídeo, Sotloff diz que está a “pagar o preço” pela decisão da administração Obama de bombardear alvos do ISIS no Iraque. É possível ver o mesmo terrorista vestido de negro que apareceu no vídeo da decapitação de James Foley, que agora diz: “Estou de volta, Obama, e estou de volta por causa da vossa arrogante política externa para com o Estado Islâmico”.

Nascido na Flórida em 1983, Steven Sotloff estudou jornalismo na Universidade Central da Flórida e em 2004 voltou para Miami, onde já tinha vivido, para ter aulas de árabe.

Estava desaparecido há um ano e a sua captura pelo ISIS foi mantida em segredo, a pedido da família, escreve o New York Times. Só voltou a ser visto há duas semanas, no vídeo da execução de James Foley. Em trabalho, o jornalista freelancer passou por países como o Egipto, Líbia e Síria. Na rede de mensagens instantâneas Twitter, Sotloff descrevia-se como um “stand-up philosopher”. A última mensagem colocada data de 3 de agosto de 2013 e é sobre a sua equipa favorita da NBA, os Miami Heat.

Pensa-se que o terceiro refém seja David Cawthorne Haines, britânico, de acordo com a organização Search for International Terrorist Entities (SITE) Intelligence Group. Outros dois norte-americanos também estarão sequestrados pelo ISIS.

O passado

Em fevereiro de 2002, o jornalista do Wall Street Journal, Daniel Pearl, também foi decapitado nas mesmas circunstâncias que James Foley e Steven Sotloff. De acordo com o fórum do Médio Oriente, esta prática bárbara levada a cabo por extremistas islâmicos, surgiu quatro anos antes na Chéchenia, mas a ausência da difusão dos vídeos limitou o impacto psicológico da decapitação dos reféns. O assassinato e a difusão do vídeo de Pearl “catalisaram o ressurgir desta prática islâmica”, explicam.

No Iraque, os terroristas filmaram a decapitação dos norte-americanos Nicholas Berg, Jack Hensley e Eugene Armstrong. Mas também existiram vítimas de outras nacionalidades: turcos, egípcios, coreanos, búlgaros, britânicos e nepaleses. E centenas de iraquianos, curdos e árabes.