Os ombros, largos demais, e os pulsos, flexíveis a menos, fecharam-lhe a porta. Foram eles que se uniram e disseram que, no badminton, o desporto do pai, nunca iria singrar. Li Na tinha à volta de cinco anos de idade. E, de repente, deram-lhe outra raquete para segurar. “Todos concordaram que deveria jogar ténis, mas ninguém se deu ao trabalho de me perguntar”, lamentou, já trintona, no meio de um desabafo que, pelo meio, revelou que “nos primeiros 15 anos nunca” gostou de fazer do ténis a sua vida. Vinda de onde veio, entendia-se.

Li Na é chinesa. Nasceu em 1982 e, no seu país, no seu tempo, o ténis era apenas um desporto. Mais um. Não chamava atenção, o interesse era quase nulo e muito poucos se dedicavam a praticá-lo. Portanto, foi contrariada que começou uma relação com a raquete. Rejeitado no badminton, foi engolida pela máquina de gestação de desportistas da China, que deteta crianças com potencial e lima-as para um dia oferecerem glórias ao país.

Li Na deu-lhes duas. Das grandes. Em 2011, na terra batida de Roland Garros, tornou-se na primeira tenista chinesa a vencer um Grand Slam. Depois, em janeiro de 2014, conquistou o segundo, na Austrália. E tudo começou mal. Com sofrimento. Quando ainda era criança, recordou o New York Times, atreveu-se a responder mal ao primeiro treinador — que a moldou durante nove anos. O castigo foi permanecer em pé, imóvel, ao canto de uma sala, sem falar nem ver ninguém. Assim ficou três dias, até decidir pedir desculpa.

Em quase uma década juntos, nunca o treinador a elogiou. Nem tão pouco a informou da morte do pai quando, aos 14 anos e longe de casa, Li Na participava num torneio. Só ficaria a saber quando a prova terminou. “Não me ter sido permitido dizer-lhe adeus é a maior dor que tenho”, garantiria na sua autobiografia. O controlo era demasiado, e em tudo: na relação amorosa que a tenista começa a ter com o homem que é hoje seu marido e, por exemplo, na obrigação que lhe impunham em tomar hormonas para melhorar o seu rendimento físico.

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Por isso, em 2002, com 20 anos e o 135.º lugar no ranking WTA, Li Na decidiu abandonar o ténis. Virou-lhe as costas e dedicou-se à universidade, onde começou a estudar jornalismo. Quase um ano depois, bateram-lhe à porta. Do outro lado estava Sun Jinfang, a então nova chefe do Programa de Desenvolvimento do Ténis chinês — queria ver La Ni de volta ao ténis. Mas a sua abordagem foi diferente: “Por que não jogas por ti própria?” Resultou.

A vinda ao Estoril Open quando “nem arranhava o inglês”

Em 2006, a tenista venceria o seu primeiro torneio, em Guangzhou. No mesmo ano, porém, aterrou em Portugal para dar umas pancadas no Estoril Open. “Ainda não era uma jogadora de topo e, na altura, ninguém apostava nela sequer”, lembrou Pedro Quadros Carvalho, da João Lagos Sport, empresa que organiza o evento. Ao Observador, o assessor recordou a imagem de uma tenista jovem, recatada, que “nem arranhava o inglês”. Mas que acabaria por chegar à final da prova — e logo contra outra tenista chinesa.

Do outro lado do court esteve Jie Zheng e as duas protagonizaram a então primeira final chinesa do circuito WTA. E a final “acabou com a desistência de Li Na”, contou Pedro Carvalho, antes de introduzir algo que, apesar de nunca ter sido confirmado, “foi falado” após o encontro. “Na altura contou-se que ela desistiu no final do terceiro set porque tinha um avião para apanhar e, por isso, acabou a final mais cedo”, revelou. Li Na, aliás, participaria ainda nas edições de 2005 e 2010 do Estoril Open.

Em 2008 chegaria às meias-finais do torneio feminino dos Jogos Olímpicos (JO) de Pequim. E foi aí, nesse encontro, que o furor à sua volta abriu os olhos — a meio do embate, Li Na chegou a mandar calar o público chinês que se encontrava nas bancadas, tal era o barulho que causavam para a apoiarem, conta o NYT. “O povo chinês precisava muito de uma vitória. Pensava que o ténis era apenas um desporto, mas com aquela loucura apercebi-me que tinha muito mais significado”, revelaria ao diário norte-americano.

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O súbito interesse no ténis fê-la acordar. E bater o pé. Hoje e sempre, qualquer desportista chinês que compita a nível internacional tem que reverter 65% dos seus ganhos monetários à respetiva federação chinesa da modalidade, que lhe dita tudo — o regime de treinos, as deslocações, provas em que participa, viagens, etc. Findos os JO, Li Na quis ficar sozinha. E exigiu-o. Disseram-lhe que sim e, em 2012, já só pagava entre 8 a 12%.

A partir daí, de 2008, a chinesa explodiu. Três anos depois, o furor rebentaria. Entre pancadas, corridas e vitórias, Li Na chegava à final de Roland Garros. No dia em que partilhou o court e venceu a italiana Francesca Schiavone, 116 milhões de chineses estavam colados à televisão a assistir — a última final da Liga dos Campeões, realizada em Lisboa, por exemplo, teve uma audiência global de 165 milhões de telespetadores, segunda a UEFA. Agora sim, Li Na estava lançada.

Entre o dia da primeira vitória num Grand Slam (e única de um ou uma tenista chinesa) e esta sexta-feira, Li Na ainda venceu o Open da Austrália (janeiro de 2014), chegou a ser n.º 2 do ranking WTA e semi-finalista de outros dois Grand Slams. Hoje, 19 de setembro, decidiu que não dava mais. “Depois de quatro operações aos joelhos e centenas de injeções para aliviarem a dor e os inchaços, o meu corpo está a implorar que eu acabe com a tareia”, escreveu, no meio de uma carta de despedida que publicou na sua página de Facebook.

E são as redes sociais que mostram o quão longe chegou Li Na. Na Weibo, a versão chinesa do Twitter, a página da tenista tem 23,3 milhões de seguidores. Um número ao qual nenhuma das estrelas do futebol, o desporto mais popular do Mundo, consegue chegar: Cristiano Ronaldo tem 11,5 milhões, enquanto Lionel Messi vai com 19,9 milhões.

Em agosto, a revista Forbes listou a chinesa como a segunda atleta feminina que mais lucros amealhou em 2014 — 18,3 milhões de euros, valor que apenas a deixou atrás de Maria Sharapova, tenista russa cuja raquete já conquistou cinco torneios do Grand Slam. Algo que já tinha acontecido em 2013, fruto dos contratos que foi firmando com a Nike, a Rolex, a Mercedes-Benz ou a Samsung, por exemplo.

A capa da revista Time, na edição de 26 de maio de 2014, que pela segunda vez teve Li Na como figura principal.

Em maio deste ano, Li Na foi capa da revista Time. Pela segunda vez. “Como uma das publicações mais lidas do mundo, estou muito grata por estar numa posição em que possa ter impacto numa multidão de pessoas, especialmente mulheres”, disse, ao reagir ao destaque da revista norte-americana.

Na China, pelo menos, houve homens e mulheres que passaram a ver duas pessoas, com uma raquete cada, a fazerem uma bola passar por cima da rede. “Foi uma pioneira que abriu a porta do ténis a milhões e milhões de pessoas na Ásia e na China”, concluiu Stacey Allaster, diretor executiva da WTA. E foi mesmo.