O médico que atendeu a paciente espanhola infetada com ébola no hospital da sua zona de residência, em Alcorcón, nos arredores de Madrid, escreveu uma carta aos seus superiores onde revela que entre as 8h e as 17h de segunda-feira esteve a tratar do caso sem o fato de proteção adequado ao ébola. E que, mesmo quando o vestiu, este não era do seu tamanho, pelo que as mangas lhe ficaram curtas. Agora, o clínico está internado em isolamento no Hospital Carlos III, para onde a doente com ébola foi igualmente transferida.

Durante esse período, e até já depois da meia-noite de terça-feira, Juan Manuel Parra Ramírez foi o médico responsável pelo tratamento de Teresa Romero Ramos, a auxiliar de enfermagem que, desde a segunda-feira passada, é o primeiro caso de ébola confirmado na Europa. Quando entrou ao serviço, a doente já se encontrava em isolamento, apesar de ainda não haver um diagnóstico definitivo.

“No momento em que decido assumir a paciente e tomar a meu cargo a sua situação, sou eu o único médico que se encarrega de atendê-la enquanto se encontra aqui, acompanhado nas minhas visitas ao seu quarto por pessoal de enfermagem. Proíbo a entrada no quarto se eu não estiver”, relata Juan Manuel Parra.

Ao todo, o clínico terá entrado no quarto de Teresa Romero mais de 13 vezes, nas quais se viu obrigado a vestir e despir o fato isolador (com os consequentes riscos de contágio), que não tinha o nível de segurança recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para o tratamento de casos de ébola.

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Só às 17h, depois de nove horas a lidar com a paciente, e quando recebe o primeiro resultado que indica positivo, é que veste o fato de maior nível de segurança que havia no hospital (que não era necessariamente de nível 4, como a OMS recomenda).

As mangas ficavam-me curtas. A paciente continua a piorar, encontrando-se com abundantes diarreias, vómitos, mialgias e febre de 38 [graus]…”, escreve o médico.

Antes disso, foi iniciativa de Juan Manuel Parra pedir o despiste do ébola. “Ainda que o primeiro resultado tenha sido positivo, não tive conhecimento dele a não ser através da imprensa“, acusa, referindo que a situação se voltou a repetir já depois das 18h, quando chega o duplo positivo, isto é, a confirmação de que estava realmente perante um caso de ébola.

É nessa altura que os seus apelos para a transferência de Teresa Romero para o Carlos III (hospital de referência em Madrid) são atendidos, explicando-lhe alguém daquele serviço de saúde como se dará o processo. Só que a ambulância chega a Alcorcón já depois da meia-noite e, só aí, Juan Manuel Parra deixa de ser o responsável pela situação.

“Não disse à minha médica de família que tinha estado em contacto com o ébola”

No total, o médico de Alcorcón esteve mais de 16 horas em contacto direto com Teresa Romero, que acabou por ser internada no Hospital Carlos III, onde ainda permanece com um quadro clínico grave mas que apresenta melhorias. Desde a tarde de quarta-feira, Juan Manuel Parra encontra-se em isolamento num quarto daquele hospital, ao qual se dirigiu voluntariamente depois de uma reunião com responsáveis sindicais.

Entretanto, na sequência de uma investigação lançada pelo Ministério da Saúde espanhol aos procedimentos tomados neste caso – que teve bastantes falhas -, a própria Teresa Romero admite agora não ter informado a sua médica de família de que tinha sido uma das pessoas responsáveis pelo tratamento de Manuel García Viejo, o padre que morreu de ébola a 25 de setembro. “Ela [a médica] não tem culpa, porque não lhe disse que tinha estado em contacto com o ébola”, relata a paciente ao ABC. Assim, a clínica diagnosticou-lhe gripe e Teresa saiu do consultório apenas com uma receita de paracetamol.

Depois de, num primeiro momento, Teresa Romero ter dito ao El Mundo que seguira todos os protocolos de segurança ao lidar com o missionário, a própria acabou por admitir ao El País que poderá ter sido no momento em que despiu o último fato protetor que o contágio se deu.

“A falha foi no momento em que tirei o fato. Creio que esse momento foi o mais crítico, em que tudo pode ter acontecido, mas não tenho a certeza”, afirmou.

Essa suspeita já tinha sido levantada por uma fonte da investigação. Esta terça-feira alguns especialistas tinham já denunciado que os fatos isoladores utilizados no Hospital Carlos III não estavam em conformidade com os padrões da OMS.