Num cenário de profundas rivalidades interétnicas que o fim da guerra civil não solucionou, a Bósnia-Herzegovina vota no domingo em eleições gerais após uma campanha marcada pelo regresso da retórica nacionalista e crescentes preocupações pela grave crise económica.

A situação política interna mantém-se praticamente inalterada desde as últimas eleições de 2010, com a retórica nacionalista a predominar nos discursos dos líderes das três principais entidades de muçulmanos, sérvios e croatas, legitimadas no acordo de Dayton de 1995 que pôs termo à guerra civil de três anos e meio com um rescaldo de 100.000 mortos e 2,2 milhões de refugiados e deslocados.

Os avanços no sentido de uma perspetiva de integração na União Europeia (UE) foram nulos, com o discurso nacionalista a ser utilizado como principal argumento da campanha e perante a ausência de soluções para os graves problemas económicos e sociais do país.

Perto de 3,3 milhões de eleitores estão convocados para eleger os três membros da presidência colegial do país, renovar o parlamento central, os parlamentos das duas entidades (Republika Srpska [RS] e Federação bósnia, que inclui muçulmanos e croatas) e ainda os representantes dos dez cantões que compõem a entidade croato-muçulmana.

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O reforço do poder central, em detrimento dos importantes atributos concedidos às duas entidades, voltou a estar no centro do discurso dos nacionalistas muçulmanos, que defenderam o reforço do “Estado central” num país dos Balcãs etnicamente dividido.

Uma perspetiva contrariada pelos dirigentes sérvios bósnios que concorrem à presidência da sua entidade, que voltarem a insistir durante a campanha no objetivo de “transformar a nossa entidade num Estado”.

Nas sétimas eleições desde o final da guerra, as sondagens também preveem que a opção nacionalista seja a mais votada entre os croatas bósnios, num país onde um Alto representante internacional ainda possui assinaláveis poderes e onde permanece uma força militar de contenção da União Europeia (Eufor, atualmente com 600 militares).

O aprofundamento das divisões interétnicas, fomentadas pelas respetivas lideranças nacionalistas, foi no entanto contrariado no início de fevereiro, quando violentas manifestações contra o poder central e das entidades abalaram todo o país, em particular na Federação bósnia.

Muçulmanos, sérvios e croatas manifestaram-se em conjunto, incendiaram edifícios governamentais em cinco cidades e ainda a sede da presidência do país em Sarajevo, a capital desta ex-república jugoslava.

Em diversas regiões constituíram-se assembleias de cidadãos para debater a forma de combater a corrupção endémica, a ineficácia das autoridades, ou contestar as arbitrárias privatizações que implicaram o encerramento de numerosas empresas. Desde então, um grupo de irredutíveis prossegue um protesto simbólico frente à presidência.

Segundo os números oficiais, 27,5% da população ativa está no desemprego — apesar de outras projeções se referirem perto de 45% — enquanto 18% dos 3,5 milhões de habitantes vive abaixo do limiar de pobreza.

A fragilizada economia local foi ainda abalada pelas inundações sem precedentes que atingiram o país em maio, provocando estragos calculados em dois mil milhões de euros, cerca de 15% do PIB.

“Quatro anos depois, os eleitores vivem muito pior. Temos mais reformados que empregados; os cidadãos acumulam cada vez mais dívidas; o salário médio permanece estagnado, enquanto o custo de vida duplicou”, referiu a analista política Nihada Hasic, do diário de Sarajevo Nezavisne, citada pela agência noticiosa Efe.

Outros comentadores também consideraram que estas eleições são as mais incertas desde o final da guerra em 1995 e que nenhum candidato pode estar seguro do resultado, nem das possíveis coligações de governo.

“Esperamos incitar o maior número de eleitores a comparecerem nas urnas para mudar este poder criminal que desde há 20 anos saqueia sistematicamente o país”, disse, citado pela agência noticiosa AFP, Drenko Koristovic, um desempregado de 59 anos.

Um sentimento que desde as revoltas de fevereiro parece alastrar por um dos países mais pobres e com o futuro mais imprevisível da Europa.