Não sabemos se Marco Silva tem recebido dicas de Kesuke Miyagi, o tal mestre do “Karate Kid”, mas Montero deve ter visto o filme. Quando o Marítimo recuperou de 3-0 para 3-2, com Maazou em evidência, Fredy Montero recebeu no peito e ofereceu a Alvalade um golaço acrobático, o quarto da noite. O Sporting não vencia em casa para o campeonato desde 23 de agosto, quando venceu o Arouca por 1-0. Desde então, empatou duas vezes: Belenenses e FC Porto.

Cansaço? É coisa que não assiste a este Sporting. A garantia era de Marco Silva, antes do jogo. “Não falei de cansaço, até temos mais descanso agora do que para com o jogo com o Schalke; não há cansaço absolutamente nenhum, não vai haver gestão nenhuma, o jogo é muito importante. Estamos focados claramente nos três pontos.” A primeira parte, ainda que nem sempre bem jogada, comprovou-o.

Os primeiros avisos até chegaram do lado do inimigo. Maazou, um avançado do Níger que outrora deu nas vistas no Vitória de Guimarães, rematou duas vezes nos primeiros quatro minutos. Na segunda vez até trocou os olhos de Paulo Oliveira, com um “cabrito” (passar a bola por cima do rival) antes do disparo, que saiu ao lado.

Mas bastaram quatro minutos para o Estádio de Alvalade virar do avesso. Adrien começou a jogada, pelo meio inventou um drible com a classe que já habituou quem o vê, e fez a bola chegar a João Mário. O jovem médio da moda dos leões lançou Carrillo na direita e o peruano simplificou: cruzou a bola à procura de Montero. Bauer, não o Jack da série televisiva “24”, tentou cortar e enviou a bola para a baliza, 1-0.

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O segundo golo chegou logo aos 15 minutos. Mas antes Nani já havia enviado um míssil ao alvo rival. Salin desviou para canto, mas o árbitro disse que era pontapé de baliza, roubando o mérito ao guarda-redes francês. Bom, mas íamos no segundo da tarde: Nani — quem mais? — recebeu na esquerda e levantou para a área com o GPS do costume. João Mário, explorando as costas dos dois centrais, encostou, 2-0. É a primeira vez que o jovem médio marca na Primeira Divisão. Já o havia feito duas vezes na Segunda Liga, pela equipa B: 3-2 vs. Sp. Braga B (outubro de 2012) e 3-1 Beira-Mar (agosto de 2013).

Esperava-se que o Sporting ficasse completamente por cima do Marítimo. Mais confiante, tranquilo para trocar a bola e encantar os adeptos. Mas não foi isso que se viu em Alvalade. Sim, Nani e Carrillo continuaram a dar show e a dar cabo da cabeça dos defesas insulares, mas a equipa desligou. William teima em não voltar ao antigamente. Adrien e João Mário não conseguiam agarrar o jogo. O adversário tinha mérito também…

A equipa de Leonel Pontes acercou-se da área de Rui Patrício três vezes. Com outro acerto, poderia ter relançado o jogo. Mas quem falha, arrisca-se a sofrer, não é assim que se costuma dizer? E foi isso que aconteceu.

Nani voltou a tentar, à bomba, mas o pé estava mais calibrado para as assistências. Aos 41′, o internacional português emprestado pelo Manchester United marcou um canto, que encontrou a cabeça de Paulo Oliveira. O central aproveitou para assinar o três-zero. O resultado era enganador: apesar da superioridade da equipa da casa e de bons momentos, o Marítimo não estava assim tão mal.

O intervalo chegaria pouco depois. A grande desilusão era Montero. O avançado colombiano não estava bem. Quando um avançado está sem confiança fica complicado, porque quer fazer tudo e aquilo mais parece transformar-se numa bola de neve do desacerto e desespero. Os que o rodeiam sentem e, por vezes, ficam chateados com o egoísmo muito típico de um avançado. É um ser raro, aquele que está talhado para marcar golos. É difícil de entender e de explicar, já agora. Precisa de tempo, espaço e confiança. A ver…

Quem perdeu nove minutos no arranque da segunda parte teve azar. Maazou despertou, logo ele que já levava cinco golos à sétima jornada. Os muitos golos que falhou no Vitória parecem ter sido canalizados para esta temporada. Aos 50′ aproveitou um cruzamento de Rúben Ferreira para o segundo poste para cabecear para o três-um.

Quatro minutos volvidos, o avançado de 1.86m rematou — mais parecia uma bomba — depois de receber uma bola que passou entre Jonathan e Maurício. Rui Patrício não ficou muito bem na fotografia nos dois lances (no segundo até já estava de joelhos, à espera de um remate rasteiro; precipitou-se). Maazou: sete golos em oito jornadas. Atenção a este senhor.

O Sporting tremeu, não se encontrava e a bola escapava-lhe dos pés. Os rivais estavam a querer mais, a acreditar. O jogo estava perigoso. Aos 60′, Salin decidiu imitar as famosas defesas de Iker Casillas e voou para fechar o caminho da glória a Carrillo, que podia ter sido mais lesto, quando a baliza parecia estar deserta.

O momento da noite chegou aos 66 minutos. Adrien recebeu já no meio-campo adversário e o tempo congelou. É sempre a mesma história com este jogador que nasceu em Angouleme, França. O número 23 dos leões levantou a cabeça e adivinhou a movimentação de Montero, que apareceria atrás da defesa insular. Depois, qual karate kid, dominou a bola com o peito e esboçou um gesto acrobático, karateca, mágico, o que quiserem. Quatro-dois e um respirar fundo em Alvalade.

O jogo continuaria bem disputado. Os 37.569 quase gritaram golo novamente aos 74′, quando Nani enviou um livre direto à trave. O extremo estava mais para assistências neste final de tarde já brindado pela noite, após mudança da hora pela madrugada. O Marítimo não afrouxava. Maazou ameaçou o hat-trick depois de uma arrancada brilhante. Este avançado tem muito futebol. Rui Patrício redimiu-se aos 83′: fechou bem o caminho da baliza a Dyego Souza.

Nada mais havia a reportar. Ponto final no Estádio de Alvalade. Quarta vitória para a equipa de Marco Silva, que assim aproxima-se do FC Porto e Benfica. William desiludiu, Montero corrigiu e João Mário, apesar da exibição discreta, continua a ser importante. Se não houve cansaço, houve uma equipa a tremer muito na defesa, assim como um meio-campo que não soube controlar as operações durante os 90 minutos. Apetece lembrar uma frase muito usada pela malta da velha guarda do futebol: “fazes uma à Pelé e outra à Lelé”. Neste caso, o ataque é o Pelé e a defesa o Lelé. Algo tem de mudar…