Não será um erro escrever que o ano de 2014 ficará na memória dos portugueses devido a alguns processos judiciais que envolveram altas figuras do Estado, mas também grandes poderes do mundo da politica e dos negócios.

O que é que a detenção do ex-presidente executivo do Banco Espírito Santo Ricardo Salgado, do ex-diretor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Manuel Jarmela Palos, e do ex-primeiro-ministro José Sócrates têm em comum? Estão todos nas mãos do “super juiz” Carlos Alexandre.

Já há vários anos que o nome deste juiz é badalado nos meios de comunicação portuguesa. É um nome incontornável por se tratar do único magistrado a desempenhar funções desde 2006 no Ticão – nome pelo qual é conhecido o tribunal dedicado à instrução de grandes casos em Portugal -, o que faz com que muitas das decisões fiquem exclusivamente nas suas mãos.

Para além do juiz Carlos Alexandre e do procurador Rosário Teixeira, José Sócrates e Ricardo Salgado têm ainda em comum o facto serem considerados dois dos homens mais poderosos em Portugal, pelo menos até à chegada da troika e à ajuda externa. Na lista elaborada pelo Jornal de Negócios em 2010, o então primeiro-ministro socialista estava em segundo lugar num ranking que era dominado pelo ex-presidente executivo do BES.

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No dia 24 de julho deste ano, poucas semanas depois de ter abandonado a presidência do Banco Espírito Santo, Salgado foi detido e constituído arguido no caso Monte Branco que investiga uma mega-rede de branqueamento de capitais. O ex-banqueiro irá provavelmente enfrentar outros processos crimes no quadro do colapso do BES.

O caso Monte Branco é uma investigação ao caso de fraude fiscal e branqueamento de capitais que está a ser investigado desde junho de 2011 pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal. Trata-se de uma análise à rede que ligou os gestores de fortunas suíços da empresa Akoya, Michel Canas e Nicolas Figueiredo aos seus clientes portugueses. Esta rede funcionaria entre Portugal, Suíça e Cabo Verde. Canas e Figueiredo, antigos quadros do banco suíço UBS, são suspeitos de terem montado uma rede para fugir ao fisco e branquear capitais. Essa rede foi utilizada por pessoas influentes em Portugal, ligadas à vida política, económica e desportiva do país – pode acompanhar aqui o nosso guia para entender caso Monte Branco.

Segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), a investigação ao ex-primeiro ministro José Sócrates resultou de uma comunicação bancária em relação movimentos financeiros. A PGR sublinha que não há ligação entre as operações Monte Branco ou Furacão. De acordo com dados recolhidos pelo Observador, a investigação incide sobre factos que remontam a 2006. Trata-se de uma “investigação independente de outros inquéritos em curso, como o Monte Branco ou o Furacão, não tendo origem em nenhum destes processos”, adianta a PGR. “O inquérito teve origem numa comunicação bancária efetuada ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal em cumprimento da lei de prevenção e repressão de branqueamento de capitais”. José Sócrates foi detido na sexta-feira, por volta das 22h10, à chegada ao aeroporto da Portela, em Lisboa. Neste momento, ainda está a ser inquirido.

Mas este não foi o único caso a pôr os olhos dos portugueses no campus da Justiça, em Lisboa, neste mês de novembro. No dia 13 de novembro, 11 pessoas foram detidas por suspeitas de participação num processo de corrupção na atribuição dos vistos gold. Passados cinco dias de inquéritos foram constituídos arguidos. Manuel Jarmela Palos, ex-diretor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), António Figueiredo, presidente do Instituto dos Registos e Notariado (IRN) e a Maria Antónia Anes, secretária geral do ministério da Justiça, são alguns dos nomes.

Estão a ser investigados factos suscetíveis de integrar a prática dos crimes de corrupção ativa e passiva, recebimento indevido de vantagem, prevaricação, peculato, abuso de poder e tráfico de influências, explicou o Ministério Público. A investigação já tinha sido conhecida em junho deste ano e o nome de António Figueiredo fora então apontado com um dos suspeitos. Na altura, o responsável pelo Instituto dos Registos e Notariado chegou mesmo a enviar um email a todos os funcionários a dizer-se de consciência tranquila e a afastar qualquer responsabilidade em atos ilícitos, apurou o Observador.

O programa de atribuição de vistos ‘gold’, criado em 2013, prevê a emissão de autorizações de residência em Portugal, com acesso ao espaço Schengen, a estrangeiros oriundos de fora da União Europeia que criem dez ou mais postos de trabalho em Portugal, comprem imóveis de valor igual ou superior a 500 mil euros ou façam transferências de capitais de montante igual ou superior a um milhão de euros.

Este caso levou à demissão ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, no fim de semana passado. Leia aqui como é que funcionava a rede dos vistos gold. Quando em julho Ricardo Salgado foi constituído arguido num processo de fraude fiscal, muitos comentadores televisivos disseram que isso podia vir a ser o início de algo muito maior. Será?